Índice geral Opinião
Opinião
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deveria legalizar o jogo?

não

Quem ganha são os donos do negócio, e só

Não acredito que a legalização do jogo traga benefícios para o país.

Ela tem sido defendida por interessados em explorar essa atividade altamente lucrativa. Defendem a oferta de empregos e os repasses de renda para o governo que a legalização pode gerar. No entanto, os prejuízos associados são muito superiores aos alegados benefícios e não podem ser negligenciados.

Jogos de azar são aqueles determinados em algum grau pela sorte e que envolvem apostas sobre seu resultado. São inúmeros os tipos de jogos existentes. A diferença entre eles tem implicações importantes.

A tecnologia aperfeiçoou alguns desses jogos, tornando-os mais atraentes e ágeis. A rapidez entre uma aposta e outra favorece a perda de controle, uma vez que o indivíduo não tem tempo para parar e pensar.

Sabe-se que a prática desses jogos pode provocar quadro similar ao de dependências de drogas, envolvendo os mesmos circuitos cerebrais.

O indivíduo passa a jogar cada vez mais, apesar das consequências negativas, na ilusão de ganhar ou de recuperar o que foi perdido.

Denominado jogo patológico, esse quadro passou a integrar os critérios diagnósticos de transtornos mentais (DSM III) em 1980 e vem sendo estudado desde então.

Os países que legalizaram jogos de azar vêm enfrentando diversos problemas. A prevalência de jogo patológico aumentou e passou a ser problema de saúde pública. Pobreza, baixa renda, aposentadoria precoce ou desemprego foram identificados como alguns dos fatores de risco para problemas com jogo.

Danos financeiros, legais, médicos e psicológicos relacionados ao jogo patológico estão documentados na literatura.

Sabe-se que jogadores patológicos cometem atos ilegais para sustentar a atividade, como empréstimos fraudulentos, falsificação de assinaturas, furto de dinheiro, cheques forjados e apresentam índices mais elevados de depressão, ansiedade, abuso de álcool, tabaco, sendo alto o risco de suicídio.

A patologia repercute sobre toda família, sendo elevado o número de divórcios. No trabalho, tornam-se comuns atrasos, absenteísmo e falta de concentração.

Não podemos desconsiderar a experiência recente no Brasil com a legalização, e posterior proibição, de bingos e jogos eletrônicos, como as máquinas de caça níquel.

A procura por tratamento refletiu a oferta de jogos no mercado. Em São Paulo, foram criados ambulatórios ligados às principais universidades que não davam conta de atender a demanda. Grupos de autoajuda, os Jogadores Anônimos, proliferam-se. Não existiam profissionais preparados para lidar com solicitações, que vinham de todo o país.

Com o fim dos bingos, diminuiu significativamente a procura por tratamento. Restam os que jogam em casas clandestinas ou pela internet.

A filosofia por trás dessa atividade também é discutível.

Em vez de se investir e desenvolver atividades que podem contribuir para melhorar a qualidade de vida, vende-se a ilusão de que a sorte será sua, você será premiado e ainda ajudará uma causa.

Hipocrisia, pois quem ganha são os donos do negócio -e quem paga é a população, que envelhece sem atividades de lazer apropriadas e acessíveis. No bingo, ninguém conversa, pois atrapalha o jogo. Nas maquininhas, a atividade é solitária. Cada um com (ou contra) o seu equipamento.

O ideal seria promover atividades de lazer, investir em atividades esportivas, educativas e culturais que estimulem uma vida interessante e saudável. Atividades que também geram empregos e ainda favorecem o desenvolvimento da população.

MARIA PAULA MAGALHÃES TAVARES DE OLIVEIRA, 46, é psicóloga. Doutora pela USP, fundou o Ambulatório de Jogo Patológico da Unifesp e escreveu "Dependências: o Homem à Procura de Si Mesmo" (Ícone)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.