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De repente, o verão
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Custou a chegar, neste final de século, o verão aqui no Rio.
Somente neste finzinho de dezembro
tivemos aqueles dias que fazem a cidade entrar na dela, céu de um azul
indecente, corpos queimados de sol,
vontade de nada fazer, tempo de aproveitar a vida, curtir o verão tal como
gostamos dele e tal como ele gosta de
nós.
Veio de repente. E como foi bom
abrir o primeiro abacaxi cor de ouro
por fora e amarelado por dentro, doce,
pejado de sumo e de cheiro -cheiro
de verão, gosto de verão. Na Europa, é
gostoso morder as primeiras cerejas da
estação, cerejas jovens, com aquele
grená profundo e aveludado, quase
episcopal.
No Rio, cidade do trópico e do abacaxi, o verão é um pacote de coisas
boas, incluindo o calor, que nos dá
pretexto e assunto para conversarmos
com qualquer um e em qualquer lugar.
Volto às cerejas e aos abacaxis. A cereja é romântica, o abacaxi, sensual. A
cereja é fácil de morder, ela se oferece,
pedindo para ser mordida. O abacaxi
é laborioso, virou sinônimo de dificuldade, descascar um abacaxi é um dos
desafios da natureza e da gula.
Mas, despojada de sua casca agressiva, não há carne mais doce e perfumada. Como as pérolas, ele se esconde numa concha vegetal, que precisa de paciência e arte para ser vencida. Mas a
recompensa é generosa.
Hoje é o primeiro dia do ano. Segundo alguns, é também o primeiro dia de
um século e, por Júpiter!, de um milênio. Troço pra burro.
Pode parecer aleatório elogiar o
abacaxi nesta data inaugural quando
todos esperam grandes coisas do futuro e confia que desta vez todos seremos
felizes, como naquele bolero homônimo.
Preferi exaltar as maravilhas do
abacaxi, e não da nova era que se abre
para a humanidade. Daqui a mil
anos, serei admirado porque tive razão.
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