São Paulo, Sábado, 01 de Janeiro de 2000


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De repente, o verão

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Custou a chegar, neste final de século, o verão aqui no Rio. Somente neste finzinho de dezembro tivemos aqueles dias que fazem a cidade entrar na dela, céu de um azul indecente, corpos queimados de sol, vontade de nada fazer, tempo de aproveitar a vida, curtir o verão tal como gostamos dele e tal como ele gosta de nós.
Veio de repente. E como foi bom abrir o primeiro abacaxi cor de ouro por fora e amarelado por dentro, doce, pejado de sumo e de cheiro -cheiro de verão, gosto de verão. Na Europa, é gostoso morder as primeiras cerejas da estação, cerejas jovens, com aquele grená profundo e aveludado, quase episcopal.
No Rio, cidade do trópico e do abacaxi, o verão é um pacote de coisas boas, incluindo o calor, que nos dá pretexto e assunto para conversarmos com qualquer um e em qualquer lugar.
Volto às cerejas e aos abacaxis. A cereja é romântica, o abacaxi, sensual. A cereja é fácil de morder, ela se oferece, pedindo para ser mordida. O abacaxi é laborioso, virou sinônimo de dificuldade, descascar um abacaxi é um dos desafios da natureza e da gula.
Mas, despojada de sua casca agressiva, não há carne mais doce e perfumada. Como as pérolas, ele se esconde numa concha vegetal, que precisa de paciência e arte para ser vencida. Mas a recompensa é generosa.
Hoje é o primeiro dia do ano. Segundo alguns, é também o primeiro dia de um século e, por Júpiter!, de um milênio. Troço pra burro.
Pode parecer aleatório elogiar o abacaxi nesta data inaugural quando todos esperam grandes coisas do futuro e confia que desta vez todos seremos felizes, como naquele bolero homônimo.
Preferi exaltar as maravilhas do abacaxi, e não da nova era que se abre para a humanidade. Daqui a mil anos, serei admirado porque tive razão.



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