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OS DONOS DO CURRAL
A queda em menos de uma semana do presidente argentino
Adolfo Rodríguez Saá, o terceiro desde a renúncia de Fernando de la Rúa,
causa algo que parecia impossível:
torna ainda mais incertos os rumos
do país. Já se fala até em guerra civil.
A questão que está levando os argentinos repetidamente às ruas e à
invasão dos principais prédios públicos do país foi resumida numa palavra: "corralito" (curralzinho). É como ficou popularmente conhecido o
bloqueio das poupanças e depósitos
em dólar nos bancos da Argentina.
O termo em si já é revelador. Dominado por uma oligarquia agrária e
conservadora, que se aliou a lideranças populistas, o Estado argentino
foi praticamente destruído.
Assim como no Brasil é comum falar em "currais eleitorais", no país
dos donos de "haciendas" o bloqueio da riqueza nacional é descrito
como artimanha de um senhor de
gado. Como se os cidadãos, suas
posses e seus direitos fossem desrespeitados a tal ponto que mesmo a
noção de cidadania perdesse valor.
A situação pode ser descrita de modo estritamente técnico como dificuldades de "reestruturação de passivos dolarizados". Na prática, trata-se de fazer a população aceitar que,
ao contrário dos donos do poder que
souberam tirar sua riqueza do país a
tempo, a desvalorização atingirá a
poupança popular e nacional.
Escaparam do curral financeiro as
elites do país. É didático o cartaz que
a Folha reproduziu em sua primeira
página de ontem: os manifestantes
ali perguntam onde Saá teria depositado as suas poupanças.
De fato, os números que aos poucos têm sido divulgados revelam que
a elite endinheirada do país retirou
os seus dólares do sistema bancário
antes da bancarrota final (atitude que
contribuiu para a própria destruição
da moeda argentina).
Os donos do curral obviamente ficam fora dele. Humilhada e privada
de seus direitos econômicos mais
elementares, a população argentina
já não se mostra disposta a aceitar o
sacrifício final a que a elite corrupta
insiste em impingir-lhe.
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