São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2002

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OS DONOS DO CURRAL

A queda em menos de uma semana do presidente argentino Adolfo Rodríguez Saá, o terceiro desde a renúncia de Fernando de la Rúa, causa algo que parecia impossível: torna ainda mais incertos os rumos do país. Já se fala até em guerra civil.
A questão que está levando os argentinos repetidamente às ruas e à invasão dos principais prédios públicos do país foi resumida numa palavra: "corralito" (curralzinho). É como ficou popularmente conhecido o bloqueio das poupanças e depósitos em dólar nos bancos da Argentina.
O termo em si já é revelador. Dominado por uma oligarquia agrária e conservadora, que se aliou a lideranças populistas, o Estado argentino foi praticamente destruído.
Assim como no Brasil é comum falar em "currais eleitorais", no país dos donos de "haciendas" o bloqueio da riqueza nacional é descrito como artimanha de um senhor de gado. Como se os cidadãos, suas posses e seus direitos fossem desrespeitados a tal ponto que mesmo a noção de cidadania perdesse valor.
A situação pode ser descrita de modo estritamente técnico como dificuldades de "reestruturação de passivos dolarizados". Na prática, trata-se de fazer a população aceitar que, ao contrário dos donos do poder que souberam tirar sua riqueza do país a tempo, a desvalorização atingirá a poupança popular e nacional.
Escaparam do curral financeiro as elites do país. É didático o cartaz que a Folha reproduziu em sua primeira página de ontem: os manifestantes ali perguntam onde Saá teria depositado as suas poupanças.
De fato, os números que aos poucos têm sido divulgados revelam que a elite endinheirada do país retirou os seus dólares do sistema bancário antes da bancarrota final (atitude que contribuiu para a própria destruição da moeda argentina).
Os donos do curral obviamente ficam fora dele. Humilhada e privada de seus direitos econômicos mais elementares, a população argentina já não se mostra disposta a aceitar o sacrifício final a que a elite corrupta insiste em impingir-lhe.


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