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CARLOS HEITOR CONY
O sonho de Bin Mohamad
RIO DE JANEIRO - Ali bin Mohamad (nenhum parentesco com o Osama
bin Laden, pois viveu 2.000 anos antes de nossa era) estava cansado da
vida e do mundo. Andara durante
anos pelos desertos, comendo tâmaras e gafanhotos, achava que merecia
coisa melhor e se encostou numa palmeira solitária para descansar sua
fadiga e, pior do que a fadiga, seu tédio.
Teve um sonho bonito. Um gênio
do Bem lhe apareceu e disse que seus
dias de dor tinham acabado. Bastava
que Ali bin Mohamad acordasse, esticasse as pernas e as mãos e colheria
os frutos de ouro de uma palmeira no
meio do deserto. Ficaria riquíssimo,
casaria com Fátima, a bela filha do
califa. E mais tarde ele próprio seria
um califa.
Ali bin Mohamad acordou e acreditou no sonho. Pegou seu bordão
(esqueci de dizer que ele tinha um
bordão) e começou a caminhar em
busca da palmeira cheia de frutos de
ouro. Andou, andou, atravessou desertos imensos, sofreu fome e sede,
mas não perdeu a esperança de encontrar o tesouro que lhe fora prometido.
Anos, muitos anos depois, ele estava mais uma vez perdido num deserto. Velho, trôpego, teve a sorte de encontrar uma palmeira em que podia
descansar o corpo alquebrado. E, antes de adormecer, olhou o céu para
agradecer a Alá Todo-Poderoso a
graça de ainda estar perseguindo seu
sonho.
Só então viu que aquela palmeira
era a que lhe fora prometida, cheia de
frutos de ouro. Ia pular de alegria,
mas preferiu ficar quieto: reconheceu
a palmeira que, anos, muitos anos
antes, nela se encostara e sonhara
com o gênio do Bem.
Ali bin Mohamad dera a volta ao
mundo em vão. Consumira desertos
e se consumira em busca do sonho. E
o sonho estava ali, ao alcance de sua
mão. Podia ficar contente, afinal os
frutos de ouro esperaram por ele.
Mas Fátima, a bela filha do califa,
não esperara por ele. Casara-se com o
Chico Anysio.
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