São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O sonho de Bin Mohamad

RIO DE JANEIRO - Ali bin Mohamad (nenhum parentesco com o Osama bin Laden, pois viveu 2.000 anos antes de nossa era) estava cansado da vida e do mundo. Andara durante anos pelos desertos, comendo tâmaras e gafanhotos, achava que merecia coisa melhor e se encostou numa palmeira solitária para descansar sua fadiga e, pior do que a fadiga, seu tédio.
Teve um sonho bonito. Um gênio do Bem lhe apareceu e disse que seus dias de dor tinham acabado. Bastava que Ali bin Mohamad acordasse, esticasse as pernas e as mãos e colheria os frutos de ouro de uma palmeira no meio do deserto. Ficaria riquíssimo, casaria com Fátima, a bela filha do califa. E mais tarde ele próprio seria um califa.
Ali bin Mohamad acordou e acreditou no sonho. Pegou seu bordão (esqueci de dizer que ele tinha um bordão) e começou a caminhar em busca da palmeira cheia de frutos de ouro. Andou, andou, atravessou desertos imensos, sofreu fome e sede, mas não perdeu a esperança de encontrar o tesouro que lhe fora prometido.
Anos, muitos anos depois, ele estava mais uma vez perdido num deserto. Velho, trôpego, teve a sorte de encontrar uma palmeira em que podia descansar o corpo alquebrado. E, antes de adormecer, olhou o céu para agradecer a Alá Todo-Poderoso a graça de ainda estar perseguindo seu sonho.
Só então viu que aquela palmeira era a que lhe fora prometida, cheia de frutos de ouro. Ia pular de alegria, mas preferiu ficar quieto: reconheceu a palmeira que, anos, muitos anos antes, nela se encostara e sonhara com o gênio do Bem.
Ali bin Mohamad dera a volta ao mundo em vão. Consumira desertos e se consumira em busca do sonho. E o sonho estava ali, ao alcance de sua mão. Podia ficar contente, afinal os frutos de ouro esperaram por ele.
Mas Fátima, a bela filha do califa, não esperara por ele. Casara-se com o Chico Anysio.


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