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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A tarefa do jornalismo brasileiro
Aos jornalistas, num dia em
que talvez só eles leiam jornal, dedico essa reflexão sumária acerca do
presente e do futuro do jornalismo
brasileiro.
Nossa imprensa continua constrangida por três forças: o controle exercido por dinastias empresariais preocupadas em manter boas relações com
os detentores do poder, a precariedade das empresas jornalísticas, quase
sempre encalacradas e sedentas de dinheiro, e, para a imprensa escrita, a estreiteza do meio social a que se dirige,
parte reduzida da população adulta
do país.
Dentro dessas limitações, o jornalismo brasileiro espelha os talentos e as
debilidades da nação. Nossos jornais
são cheios de vida. E temos alguns jornalistas quase geniais que desvendam
um pouco desse país escondido de si
mesmo que é o Brasil.
Sofre, porém, o jornalismo brasileiro de três defeitos que negam ao país
um meio indispensável de autoconhecimento e libertação. O primeiro defeito é o triunfo das opiniões sobre as
informações. Os jornais brasileiros estão repletos das opiniões de jornalistas
que têm pouco a dizer. Opiniões são
baratas e, em geral, valem o que custam.
O segundo defeito, a contrapartida
do primeiro, é a pobreza e a inconfiabilidade das informações. A maior
parte do que se publica como informação relata ou fantasia as conversas
e as conspirações dos membros vitalícios de um pequeno clube de pessoas
que só morrem politicamente quando
morrem fisicamente. Difícil, ao ler
nossos jornais, chegar a qualquer conclusão a respeito de fatos decisivos.
Por exemplo, paga o governo ao menos os juros de sua dívida ou toma cada vez mais emprestado para não pagar a maior parte, adiando, calamitosamente, o dia do acerto? Ainda mais
difícil saber o que está mudando, ou
deixando de mudar, na sociedade brasileira. No lugar das informações, primam as colunas de fofocas políticas,
em que fatos, invenções e intrigas se
confundem e o jornalista se reduz a
mensageiro maledicente do clube, debochando dos outros para aliviar o
apequenamento de si mesmo.
O terceiro defeito, embora comum
no jornalismo mundial, é intolerável
numa democracia como a nossa que
precisa de uma imprensa que seja melhor do que ela. Quem, como o jornalista, observa a luta sem poder lutar,
conhece os defeitos dos lutadores melhor do que seus ideais. Trata os operadores do sistema como aproveitadores e os inimigos do sistema como
aventureiros. Do distanciamento irônico e passivo nascem a descrença e o
fatalismo. Para combatê-los é preciso
cultivar a imaginação disciplinada. Só
ela nos deixa ver mais possibilidade e
portanto mais realidade: só compreendemos o que existe à luz do que
pode vir a ser.
Essa crítica indica o rumo de um jornalismo que sirva ao Brasil. Privilegiará a informação, representando-a de
muitos ângulos diferentes e chegando,
graças à multiplicação dessas perspectivas, a uma verdade mais completa.
Tratará os poderosos como as figuras
efêmeras que são. Revelará ao país sua
variedade oculta e os fatos sociais e
econômicos de que dependam seu futuro. Sacrificará o prazer de opinar ao
esforço para entender. Aprofundará a
compreensão do existente ampliando
a visão do possível.
A leitura do jornal, escreveu Hegel, é
a oração matinal do realista. Numa
democracia precisa ser também uma
profissão de fé no nosso poder coletivo de mudar o mundo.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna
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