São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A tarefa do jornalismo brasileiro

Aos jornalistas, num dia em que talvez só eles leiam jornal, dedico essa reflexão sumária acerca do presente e do futuro do jornalismo brasileiro.
Nossa imprensa continua constrangida por três forças: o controle exercido por dinastias empresariais preocupadas em manter boas relações com os detentores do poder, a precariedade das empresas jornalísticas, quase sempre encalacradas e sedentas de dinheiro, e, para a imprensa escrita, a estreiteza do meio social a que se dirige, parte reduzida da população adulta do país.
Dentro dessas limitações, o jornalismo brasileiro espelha os talentos e as debilidades da nação. Nossos jornais são cheios de vida. E temos alguns jornalistas quase geniais que desvendam um pouco desse país escondido de si mesmo que é o Brasil.
Sofre, porém, o jornalismo brasileiro de três defeitos que negam ao país um meio indispensável de autoconhecimento e libertação. O primeiro defeito é o triunfo das opiniões sobre as informações. Os jornais brasileiros estão repletos das opiniões de jornalistas que têm pouco a dizer. Opiniões são baratas e, em geral, valem o que custam.
O segundo defeito, a contrapartida do primeiro, é a pobreza e a inconfiabilidade das informações. A maior parte do que se publica como informação relata ou fantasia as conversas e as conspirações dos membros vitalícios de um pequeno clube de pessoas que só morrem politicamente quando morrem fisicamente. Difícil, ao ler nossos jornais, chegar a qualquer conclusão a respeito de fatos decisivos. Por exemplo, paga o governo ao menos os juros de sua dívida ou toma cada vez mais emprestado para não pagar a maior parte, adiando, calamitosamente, o dia do acerto? Ainda mais difícil saber o que está mudando, ou deixando de mudar, na sociedade brasileira. No lugar das informações, primam as colunas de fofocas políticas, em que fatos, invenções e intrigas se confundem e o jornalista se reduz a mensageiro maledicente do clube, debochando dos outros para aliviar o apequenamento de si mesmo.
O terceiro defeito, embora comum no jornalismo mundial, é intolerável numa democracia como a nossa que precisa de uma imprensa que seja melhor do que ela. Quem, como o jornalista, observa a luta sem poder lutar, conhece os defeitos dos lutadores melhor do que seus ideais. Trata os operadores do sistema como aproveitadores e os inimigos do sistema como aventureiros. Do distanciamento irônico e passivo nascem a descrença e o fatalismo. Para combatê-los é preciso cultivar a imaginação disciplinada. Só ela nos deixa ver mais possibilidade e portanto mais realidade: só compreendemos o que existe à luz do que pode vir a ser.
Essa crítica indica o rumo de um jornalismo que sirva ao Brasil. Privilegiará a informação, representando-a de muitos ângulos diferentes e chegando, graças à multiplicação dessas perspectivas, a uma verdade mais completa. Tratará os poderosos como as figuras efêmeras que são. Revelará ao país sua variedade oculta e os fatos sociais e econômicos de que dependam seu futuro. Sacrificará o prazer de opinar ao esforço para entender. Aprofundará a compreensão do existente ampliando a visão do possível.
A leitura do jornal, escreveu Hegel, é a oração matinal do realista. Numa democracia precisa ser também uma profissão de fé no nosso poder coletivo de mudar o mundo.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna



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