São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O encontro com a sociedade

AÉCIO NEVES

Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que o índice de aprovação da Câmara dos Deputados pela sociedade teve uma melhora substancial nos últimos tempos. As pessoas estão cada vez mais convencidas de que a instituição tornou-se mais acessível, transparente e permeável à influência direta do povo sobre suas decisões.
Quando iniciei minha caminhada pela presidência da Casa, prometi, como objetivo de minha gestão, colocar a Câmara em sintonia com as aspirações mais prementes da sociedade com relação ao Parlamento. A imagem do Congresso na época refletia para o povo, segundo as pesquisas, descrença, desânimo e mesmo reprovação.
A providência mais urgente para mudar essa imagem era fazer com que o Parlamento recobrasse seu poder de elaborar as leis, usurpado pelo Executivo. Na tradição de Montesquieu, os Três Poderes devem buscar o equilíbrio e a harmonia, sem os quais esse sistema político não funciona de modo a assegurar plena democracia. As medidas provisórias alimentavam a figura desfigurada do Executivo todo-poderoso, que editava leis e ignorava Legislativo e Judiciário. Vencemos essa etapa.
Conseguimos, ao votar as limitações às MPs, restabelecer o equilíbrio essencial aos Poderes. Não foi pouca coisa. Há mais de dez anos o Parlamento vinha tentando isso. Foi uma vitória de todos. Do Parlamento, que recuperou suas prerrogativas; do Executivo, que aceitou limitar alguns poderes; e do povo, que ganhou um Congresso soberano. Demos o primeiro passo decisivo para aproximar a Câmara da sociedade.
Os passos seguintes nos levaram a criar instrumentos que permitissem combater velhas práticas que o povo vem condenando. Instituímos o Código de Ética e o Conselho de Ética. Há dez anos se discutiam, em vão, esses institutos. Aprová-los foi uma vitória da sociedade. Chamamos essas medidas de "pacote ético". E a aprovação recente do novo conceito de imunidade parlamentar faz parte dele. Trata-se de um momento histórico: de agora em diante, deputados e senadores são cidadãos comuns diante da lei. Podem ser denunciados, processados ou condenados sem licença do Parlamento. Para que isso acontecesse foi necessária uma engenharia política que só se tornou possível porque a esmagadora maioria dos deputados, as lideranças partidárias e os membros da mesa compreenderam a importância dessa transformação.
A imunidade protege agora apenas as idéias, as opiniões e a ideologia dos parlamentares. O mandato não vai mais, enfim, acobertar crimes comuns.


A aprovação da Câmara teve uma melhora substancial; em 2002, continuaremos nossa revolução silenciosa


Entendemos que a reaproximação com a sociedade requer, sobretudo, participação direta do povo no processo legislativo. Criamos, para esse fim, a Comissão de Legislação Participativa. Não é apenas mais uma comissão permanente, mas uma comissão singular e única, que permitirá a projetos oriundos de entidades da sociedade -sindicatos, ONGs, associações de bairro etc.-, se aprovados na comissão, virar lei. A comissão encontra-se em franco funcionamento e tem em sua presidência Luiza Erundina (PSB-SP), grande defensora dos direitos da cidadania.
Implantamos também um sistema de informações, o e-Câmara, que possibilita o acompanhamento, pela internet, de tudo o que se passa na Casa. Ele vai complementar o processo de abertura do Parlamento à sociedade. Inaugurado recentemente, o sistema coloca à disposição toda a estrutura de funcionamento da Câmara, todos os projetos em tramitação, todos os elementos necessários para seguir os caminhos dos deputados, a atuação nas comissões, nos projetos e, sobretudo, nos votos. Com o e-Câmara, é possível entrar no dia-a-dia do Parlamento, opinar e influir.
Não se faz tudo isso sem arrumar a Casa internamente. Mudamos a direção da Câmara, que permanecia a mesma havia mais de 20 anos para renovar estruturas e dar oportunidade a novos talentos da administração.
Promovemos ainda o primeiro seminário internacional sobre a Alca realizado no Parlamento brasileiro, com uma intensa participação popular. Foi a primeira vez que a Câmara teve uma atuação fundamental na discussão da política externa do país, até então restrita às gestões da diplomacia. Em abril, retornaremos à discussão sobre a Alca, com a realização de um fórum internacional do qual deverão participar 35 presidentes de Legislativos de vários países.
É preciso registrar que a Câmara, com o apoio do Senado, teve uma ação decisiva na mediação de conflitos. Tomou, por exemplo, a iniciativa de mediar o fim da greve dos professores e a dos funcionários do INSS, empenhou-se para cortar emendas de parlamentares, a fim de sustentar o aumento do salário mínimo, e promoveu a correção da tabela do imposto de renda. Em 2002, continuaremos nossa revolução silenciosa.
Embora deva ser um ano difícil para a produção legislativa, por causa das eleições, vamos votar assuntos importantes, tais como o segundo turno do projeto de emenda constitucional que permite a participação do capital estrangeiro nos meios de comunicação, a fidelidade partidária, o fim dos tributos em cascata e o financiamento das campanhas políticas. O objetivo principal de nossa gestão continuará o mesmo: o encontro da Câmara com a sociedade.


Aécio Neves, 42, economista, deputado federal (PSDB-MG), é presidente da Câmara.



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Arnaldo Niskier: As paixões de Rembrandt
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.