|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SERGIO COSTA
Um ano no cadafalso
RIO DE JANEIRO - Com aquela
eterna expressão de quem acaba de
assistir a um filme na sessão da tarde, George W. Bush saudou o enforcamento de Saddam Hussein como
"um marco importante".
Na última, e talvez mais impressionante, imagem do ano, Saddam
parecia tranqüilo enquanto os carrascos encapuzados lhe ajeitavam a
corda no pescoço.
Como Bush, devia imaginar que
aquele momento poderia tornar-se,
por motivos opostos, "um marco
importante". Saddam estava consciente de que protagonizava uma
cena emblemática, capaz de sobrepor à sua folha corrida de crimes
um papel de mártir.
Pelo jeitão deles -Saddam e
Bush-, tudo muito natural. A pena
de morte é legal nos EUA e no Iraque, faz parte do jogo. Enquanto um
comemora como vitória ver na forca o inimigo que elegeu para encarnar o mal no mundo, o outro encara
o cadafalso como mais um passo na
batalha contra os novos cruzados
ianques.
Do ponto de vista da nossa barbárie, fechar o ano com a imagem de
um enforcamento deixa um gosto
de cabo de guarda-chuva na boca,
antes mesmo da ressaca de hoje. A
cena medieval estampada nas primeiras páginas dá uma sensação de
retrocesso e de inviabilidade o homem neste castigado planeta. Somada a todos os descalabros que vivemos por aqui no 2006 enterrado
ontem, restringe esperanças em relação a este novo ano que começa
logo numa segunda-feira.
O que será que os terríveis roteiristas de renovados 365 dias vão inventar para superar os de 2006?
Haja mau gosto criativo para bater
a onda de ataques no Rio e em São
Paulo, a dança da pizza, as máfias de
sanguessugas e caça-níqueis, o
meião do Roberto Carlos ou a cabeçada do Zidane. E, antes dos créditos finais, ainda encaixar um enforcamento exemplar. Argh!
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Lula e o ritmo da democracia Próximo Texto: Valdo Cruz: Os desafios do recomeço Índice
|