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TENDÊNCIAS/DEBATES
Fundeb: o debate começa agora
SANDRA FARIA
Ao comemorar a aprovação do Fundeb, lembramos que ela significa só o primeiro passo. Agora, é lutar por sua adequada regulamentação
A APROVAÇÃO da emenda constitucional que cria o Fundeb
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da
Educação) na Câmara dos Deputados
no último dia 6 de dezembro merece
ser comemorada como uma vitória
histórica dos movimentos, entidades
e pessoas que vêm se mobilizando há
anos em defesa do direito à educação,
entre os quais a Fundação Abrinq.
Constitui conquista especialmente
importante para os que defendem a
educação infantil, já que a inclusão
das creches no novo sistema de financiamento da educação básica é fruto
legítimo da pressão exercida pelos
movimentos sobre os parlamentares.
Com esse novo mecanismo de financiamento, serão garantidos recursos para todas as etapas da educação
básica: educação infantil (creches e
pré-escolas), ensino fundamental e
ensino médio, além da educação de
jovens e adultos (EJA), educação especial e educação indígena.
O Fundeb permitirá a atenção a
47,2 milhões de alunos, com investimento anual gradual que chegará a R$
55,8 bilhões a partir do quarto ano de
vigência, considerando verbas da
União, dos Estados e dos municípios.
Ao comemorar a aprovação do
Fundeb, porém, alertamos para o fato
de que ela significa só o primeiro passo de uma série de desafios. A partir
de agora, as organizações da sociedade civil precisam lutar pela adequada
regulamentação do novo fundo.
Dois aspectos são essenciais para
que a educação infantil, sobretudo as
creches, seja efetiva e corretamente
incluída no novo sistema. Primeiro, é
preciso que a definição do valor aluno/ano por etapa e modalidade da
educação básica seja feita levando em
consideração a estimativa do custo
real da respectiva etapa e modalidade.
Em segundo lugar, é fundamental
criar um mecanismo gradual de absorção dos atendimentos realizados
por creches comunitárias conveniadas com as prefeituras, considerando
a necessidade de financiar esses estabelecimentos por um tempo determinado, permitindo -aí, então- a construção de políticas de transferências
de matrículas para creches públicas.
Segundo dados do IBGE, dos 13 milhões de crianças de zero a três anos,
apenas 11% são atendidos em creches.
Apesar disso, o projeto do Fundeb
que foi enviado para a Câmara não
destinava recursos para esse segmento da população. Tal fato ia contra todas as recomendações mundiais de
priorização de investimentos em políticas públicas para a primeira infância, especialmente em seus três primeiros anos, fase da vida biologicamente decisiva para o desenvolvimento integral do ser humano.
O instrumento para definir qual a
verba necessária para cada nível de
ensino já existe. Trata-se do Custo
Aluno Qualidade (CAQ), índice criado
pela Campanha Nacional pelo Direito
à Educação, articulação política de organizações, movimentos e redes da
sociedade civil brasileira. O CAQ
mostra que, incluindo despesas com
alimentação, o aluno de uma creche
precisa de R$ 4.100 por ano para receber atendimento adequado. Na pré-escola, o custo anual de cada aluno é
de R$ 1.791, muito próximo dos custos
para o ensino fundamental (R$ 1.726
por aluno ao ano) e para o ensino médio (R$ 1.757 por aluno ao ano).
Alguns fatores explicam por que
um aluno de creche custa anualmente
mais que o dobro dos alunos dos outros segmentos. A creche tem jornada
integral, o que leva à necessidade de
contratação de dois professores por
turma. Além disso, para assegurar a
qualidade do ensino e do cuidado oferecido, a relação do número de crianças por profissional nessa faixa etária
deve necessariamente ser menor.
Esse valor do CAQ para creches indica que, nessa etapa da educação básica, na qual a demanda não atendida
também é muito grande, deve haver
uma política sistemática de transição
dos patamares atuais de financiamento, que são claramente insuficientes para garantir as necessidades
nacionais, tanto do ponto de vista
quantitativo quanto qualitativo, para
uma nova situação de atendimento
das crianças pequenas.
O tamanho do desafio não pode ser
desculpa. Estimativas feitas pelo Inep
apontam que, em 2003, o Brasil gastou apenas cerca de 0,07% do PIB nas
creches públicas. Com um incremento de 0,8% do PIB de recursos públicos para esse segmento até 2011, seria
possível atender esse padrão de CAQ
e oferecer uma educação de qualidade
para os brasileiros de zero a três anos.
SANDRA FARIA , 55, graduada e pós-graduada em administração pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas), é
superintendente-executiva da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.
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