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REPÚBLICA RENTISTA
Ao fim do primeiro ano de
mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva, o governo desembolsou R$
145,2 bilhões para o pagamento dos
juros da dívida pública, o que corresponde a 9,49% do PIB. O valor supera o empenhado em 2002, quando o
montante dos juros atingiu R$ 114 bilhões -ou 8,47% do PIB. Para que se
tenha uma idéia do que essas obrigações representam, dois meses de pagamento de juros correspondem ao
dispêndio anual com o Sistema Único de Saúde. Dez dias seriam suficientes para cobrir os gastos anuais
do Programa Bolsa-Família.
A despeito da relativa estagnação
da economia, o setor público conseguiu ultrapassar no ano passado a
meta de superávit primário acertada
com o FMI, de 4,25% do PIB. O superávit primário é o resultado das receitas menos as despesas, excluídos os
pagamentos de juros. União, Estados, municípios e estatais apresentaram um saldo de R$ 66,2 bilhões, o
que representa 4,32% do PIB. Em
2002, o setor público havia realizado
superávit primário de R$ 52,4 bilhões, equivalente a 3,89% do PIB.
A clássica fórmula de cortar despesas e elevar receitas comandou as
ações governamentais. No caso do
governo central, o aumento nominal
de arrecadação foi de R$ 36 bilhões
-11,2% a mais do que em 2002 e acima da inflação ao consumidor de
2003, de 9,3%. Já as despesas de custeio e capital da administração federal caíram R$ 3,7 bilhões. O superávit
primário, no entanto, não foi suficiente para cobrir os juros, gerando
um déficit nominal de 5,16% do PIB,
que teve como conseqüência o aumento da dívida pública. Ela chegou
a R$ 913 bilhões ao final do ano passado, representando 58,2% do PIB.
Houve, no entanto, uma ligeira melhora em seu perfil, com alongamento dos prazos e aumento da participação de títulos pré-fixados.
Essa realidade evidencia que a economia brasileira é presa de uma armadilha que tem tolhido sua capacidade de investimento e crescimento.
É como se o país estivesse se transformando numa espécie de "república de rentistas", com sua riqueza dirigida para fundos de investimento
lastreados em títulos da dívida pública, de baixo risco e alto rendimento.
De certa forma, os agentes econômicos, empresas, bancos, classes médias, tornaram-se sócios compulsórios de uma realidade na qual a produção, relegada ao segundo plano,
deu lugar à ciranda financeira.
Vive-se um círculo vicioso, que exige ajuste fiscal permanente e cada
vez maior para pagar os juros da dívida pública e absorver os impactos
das flutuações cambiais. Em relação
aos deveres do Estado, naquelas
áreas em que sua atuação é imprescindível, o que se observa é uma crescente deterioração da capacidade de
investimento e implementação de
políticas. Os recursos necessários à
educação, à saúde, ao saneamento, à
segurança pública são contingenciados para a obtenção dos superávits.
Não se trata, obviamente, de defender políticas irresponsáveis e populistas de ampliação de gastos públicos, tampouco de clamar por medidas que coloquem em risco a credibilidade do país. É preciso, no entanto,
que a sociedade e as autoridades econômicas se dêem conta do contra-senso que é o modelo econômico em
vigor. Nada disso deixou de ser mencionado pelo candidato Luiz Inácio
Lula da Silva quando se tratava de
acenar com mudanças para vencer as
eleições. Lamentavelmente, uma vez
no poder, o presidente limita-se a
afiançar uma política econômica que
nada mais tem feito do que repetir
-e até mesmo agravar- os erros e
problemas que deveria corrigir.
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