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BBC x BLAIR
O tão esperado inquérito da
Justiça britânica sobre o suicídio do cientista David Kelly é implacável: o premiê Tony Blair e o governo são isentados de praticamente todas as suspeitas de ter manipulado
relatórios dos serviços secretos. Já a
BBC, que divulgou reportagem acusando o governo dessa prática, foi
severamente criticada. Os dois principais dirigentes da TV pública renunciaram a seus postos.
Sabe-se, hoje, que o Iraque não
possuía armas de destruição em
massa e que os relatórios de inteligência produzidos pelos serviços secretos britânico e norte-americano
estavam errados. Parece paradoxal
que a BBC sofra críticas por ter divulgado uma reportagem que se revela,
no final das contas, se não exata, ao
menos compatível com essa conclusão -ao mesmo tempo em que o
governo, cujos temores se mostraram, afinal, equivocados, seja eximido de culpa.
O paradoxo é mesmo aparente. Pelo menos em teoria, é possível que a
reportagem não tivesse nenhuma
base técnica e que o governo tenha
agido com total boa-fé. É mais ou
menos isso o que diz o relatório do
juiz da Suprema Corte lorde Hutton,
que investigou durante meses o suicídio de Kelly depois que o cientista e
assessor do Ministério da Defesa teve
revelado seu nome como principal
fonte da reportagem da BBC.
A imprensa britânica, de um modo
geral, fez severas críticas ao relatório
Hutton. Em que pese uma reação talvez corporativa, as queixas não deixam de ser justificáveis. As conclusões do juiz são excessivamente rígidas e parciais. Como observou Yavuz
Baydar, presidente da ONO, organização que congrega ombudsmans
de veículos de comunicação de 15
países, o risco do parecer de Hutton é
ser lido como uma recomendação
para que o jornalismo não procure ir
além do declarado -num mundo
onde governos e autoridades mentem com freqüência.
A BBC admitiu que cometeu falhas
técnicas na reportagem em questão.
Mesmo que se aceite que o premiê
Tony Blair estava convencido da
acuidade dos relatórios de seu serviço secreto, como parece razoável, as
informações estavam tão erradas que
se torna inverossímil imaginar que
todos no governo e nos serviços secretos tenham agido sem dolo.
Faltou ao relatório Hutton o equilíbrio entre a necessária condenação
de falhas de procedimento da mídia
e o reconhecimento de que, ainda assim, não se devem desestimular os
esforços de jornalistas de ir além das
aparências na tarefa de informar e
fiscalizar o poder.
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