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O esvaziamento da reforma agrária sob Lula
JOSÉ JULIANO DE CARVALHO FILHO
A análise comparativa dos principais documentos governamentais sobre o tema mostra a mudança do caráter da reforma proposta
"O PROGRAMA de governo
incorpora a reforma agrária ampla, massiva e de
qualidade como parte fundamental
de um novo projeto de desenvolvimento nacional". Esse compromisso
está expresso no documento temático
oficial da candidatura à reeleição de
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006,
sobre política agrícola e reforma agrária. Há fatos passados que abonem essas palavras?
O primeiro mandato do governo
Lula foi marcado pelo esvaziamento
da proposta e da concepção da reforma agrária. O exame do conteúdo dos
principais documentos sobre o assunto mostra que as pretensões de
implantar um processo de mudança
no campo definharam, vítimas de um
abandono gradativo e persistente.
A análise comparativa dos principais documentos governamentais sobre a reforma agrária, desde o texto da
campanha presidencial anterior, passando pelo próprio Segundo Plano
Nacional de Reforma Agrária, de
2003, até os documentos relativos à
última campanha, mostra a mudança
do caráter da reforma proposta.
Nesse período, passou de estrutural
para meramente compensatória, tal
qual as "reformas" dos governos anteriores. Os primeiros documentos tocavam em várias questões relevantes
e definidoras da reforma agrária. Hoje, não mais se fala -ou só vagamente- nesses pontos, que foram superados pela falta de clareza de propósito.
Já não são estabelecidas metas de
assentamentos nem se considera a
área reformada como estratégia de
implantação da reforma. Diante disso, os assentamentos continuam a ser
implementados de forma fragmentada. Não consideram mais a desapropriação para fins de reforma agrária
como instrumento principal de implantação da política agrária.
Ao contrário, permanece a ênfase
para os programas de crédito fundiário (aos moldes do Banco da Terra).
Não há clareza quanto a impedir a escandalosa regularização da grilagem
na região Norte, o que se mostra funcional ao "agronegócio".
A única promessa que estava clara
no documento da campanha de 2006,
em sua versão preliminar, referia-se à
famigerada e tão necessária atualização dos índices de produtividade. Na
versão oficial, essa promessa simplesmente desapareceu.
Quanto ao desempenho do governo
Lula, segundo as organizações de trabalhadores rurais, das 39 medidas de
política agrária do governo, dez foram
consideradas como positivas para a
agricultura camponesa e a reforma
agrária. As outras 29 significaram recuos para os camponeses.
Dentre as medidas positivas, além
da importante mudança de atitude do
governo federal em relação às lutas
camponesas, que optou pelo diálogo
em vez da criminalização e da repressão, as demais são importantes, mas
têm caráter apenas pontual (seguro
rural, Pronaf, programa Luz Para Todos, construção e melhoria de casas,
Pronera, assistência técnica etc.). Por
si só não significaram a concretização
da reforma agrária.
Por sua vez, o exame das medidas
dos últimos quatro anos tem como eixo a ausência de ações públicas fundamentais para o desencadeamento
de um processo de reforma agrária
capaz de enfrentar o "agronegócio",
um eufemismo para a atual fase do
capitalismo no campo, marcada pelo
aumento da taxa de exploração da
mão-de-obra, pela exclusão, pela violência, pela concentração fundiária e
pela degradação ambiental.
A falta de política distributiva efetiva alimenta a violência no campo e
contribui para o agravamento da
questão social. A franqueza do governo, fruto de suas próprias contradições, atua no mesmo sentido. A inconsistência da sua base parlamentar
propiciou a vitória das forças conservadoras na CPMI da Terra.
A rejeição do documento do relator
da comissão e a posterior aprovação
de outro relatório, que rebaixa a
questão agrária e busca criminalizar
os movimentos sociais, são expressões cabais da pusilanimidade do governo Lula.
Há tempos esse grupo político conservador e violento não se
manifestava com tanta desenvoltura.
A proposta de reforma agrária com
potencial de alterar as estruturas no
campo e reverter a situação de injustiça e de exclusão foi esvaziada no decorrer do tempo. Os fatos passados e
os vagos compromissos atuais não
abonam mais nenhuma promessa de
"reforma agrária ampla, massiva e de
qualidade" durante o próximo mandato de Lula.
JOSÉ JULIANO DE CARVALHO FILHO, 67, é economista
e professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi integrante da equipe que elaborou, em 2003, a proposta para o Segundo Plano Nacional de Reforma Agrária para o governo Lula.
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