São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2001

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OTAVIO FRIAS FILHO

Políticos exemplares

Dado agora como definitivo, o afastamento do governador Covas põe em evidência o lado injusto da tese de que São Paulo é o berço das piores formas de populismo. Adhemar, Jânio e Maluf formam sustentação suficiente para essa tese, sem contar a vitória dada a Collor e figuras mais episódicas, como Quércia e Fleury.
Sociólogos costumam associar industrialização acelerada a populismo, de modo que onde houver uma haverá o outro, o que explica o caso de São Paulo. Mário Covas, porém, encerra sua vida pública como expoente de outra linhagem na política paulista, que remonta a Carvalho Pinto e só tem paralelo em Franco Montoro.
O que distinguia esses políticos, para começar, é que tinham uma noção clara de espectro político e do lugar que nele haviam escolhido. Permaneceram o tempo todo em posições de centro-esquerda, alinhados a um discreto reformismo de inspiração democrata-cristã, sem ceder ao ziguezague dos aventureiros.
Na oposição, ativeram-se a um nível perfeitamente aceitável de retórica demagógica; quando no governo, agiram com equilíbrio e um grau de racionalidade raro na administração. Não devastaram orçamentos, não deixaram rastro de escândalos e foram homens de partido que não praticaram o culto à própria personalidade.
Talvez por levarem seus programas a sério, esses políticos -e aqui Carvalho Pinto é exceção- não abandonaram a causa do regime democrático, mesmo no longo tempo em que direita e esquerda passaram a vê-lo como obstáculo a suas respectivas e vãs urgências, teleguiadas pelo antagonismo da Guerra Fria.
Cada um à sua maneira, foram personalidades marcantes (quem não se lembra da obsessão municipalista de Montoro, das teimosias de Covas?). Nenhum deles foi, no entanto, um gênio, um profeta, um revolucionário, nem mesmo um grande orador. Eram homens comuns levados pela democracia a dirigir outros homens comuns.
Duas ações de Covas ajudaram a fazer história. Em 1968, líder da oposição na Câmara, ele articulou a recusa da licença que o governo pleiteava para processar o então deputado Márcio Moreira Alves, pretexto do golpe do AI-5. No governo Collor, evitou que colegas afoitos embarcassem na canoa que os teria levado ao ostracismo.
A política continua. No mesmo momento em que ACM é expulso do quadrilátero do poder onde se fizera incômodo demais para todos os parceiros, começa a se apagar em São Paulo a estrela do governador Covas. Desaparecem, assim, os vetos que havia pela direita e pela esquerda, no bloco governista, à candidatura de Serra.
Incerto, como ainda é, o desenlace de seu drama (foi o primeiro político brasileiro a tratar a própria doença como assunto público), Covas deixa, além do exemplo, uma lacuna. Desaparece com ele a consciência crítica do tucanato, do qual ele era uma espécie de grilo falante. Deixa ainda um herdeiro promissor em seu vice.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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