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OTAVIO FRIAS FILHO
Políticos exemplares
Dado agora como definitivo, o
afastamento do governador Covas põe em evidência o lado injusto da
tese de que São Paulo é o berço das
piores formas de populismo. Adhemar, Jânio e Maluf formam sustentação suficiente para essa tese, sem contar a vitória dada a Collor e figuras
mais episódicas, como Quércia e
Fleury.
Sociólogos costumam associar industrialização acelerada a populismo,
de modo que onde houver uma haverá o outro, o que explica o caso de São
Paulo. Mário Covas, porém, encerra
sua vida pública como expoente de
outra linhagem na política paulista,
que remonta a Carvalho Pinto e só
tem paralelo em Franco Montoro.
O que distinguia esses políticos, para
começar, é que tinham uma noção
clara de espectro político e do lugar
que nele haviam escolhido. Permaneceram o tempo todo em posições de
centro-esquerda, alinhados a um discreto reformismo de inspiração democrata-cristã, sem ceder ao ziguezague dos aventureiros.
Na oposição, ativeram-se a um nível
perfeitamente aceitável de retórica demagógica; quando no governo, agiram com equilíbrio e um grau de racionalidade raro na administração.
Não devastaram orçamentos, não deixaram rastro de escândalos e foram
homens de partido que não praticaram o culto à própria personalidade.
Talvez por levarem seus programas
a sério, esses políticos -e aqui Carvalho Pinto é exceção- não abandonaram a causa do regime democrático,
mesmo no longo tempo em que direita e esquerda passaram a vê-lo como
obstáculo a suas respectivas e vãs urgências, teleguiadas pelo antagonismo
da Guerra Fria.
Cada um à sua maneira, foram personalidades marcantes (quem não se
lembra da obsessão municipalista de
Montoro, das teimosias de Covas?).
Nenhum deles foi, no entanto, um gênio, um profeta, um revolucionário,
nem mesmo um grande orador. Eram
homens comuns levados pela democracia a dirigir outros homens comuns.
Duas ações de Covas ajudaram a fazer história. Em 1968, líder da oposição na Câmara, ele articulou a recusa
da licença que o governo pleiteava para processar o então deputado Márcio
Moreira Alves, pretexto do golpe do
AI-5. No governo Collor, evitou que
colegas afoitos embarcassem na canoa
que os teria levado ao ostracismo.
A política continua. No mesmo momento em que ACM é expulso do quadrilátero do poder onde se fizera incômodo demais para todos os parceiros,
começa a se apagar em São Paulo a estrela do governador Covas. Desaparecem, assim, os vetos que havia pela direita e pela esquerda, no bloco governista, à candidatura de Serra.
Incerto, como ainda é, o desenlace
de seu drama (foi o primeiro político
brasileiro a tratar a própria doença como assunto público), Covas deixa,
além do exemplo, uma lacuna. Desaparece com ele a consciência crítica do
tucanato, do qual ele era uma espécie
de grilo falante. Deixa ainda um herdeiro promissor em seu vice.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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