São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2001 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O falso dilema da medicina
VICENTE AMATO NETO e JACYR PASTERNAK
A nossa postura é oposta. A medicina preventiva é parte integrante da medicina. E é, provavelmente, a mais efetiva na relação custo/benefício, nunca devendo ser relegada a um plano secundário, devendo ficar integrada às práticas rotineiras. Ou seja, numa consulta cardiológica é obrigatório combater o fumo, educar o paciente para que faça exercícios aeróbicos, incorporando isso a seus hábitos, pesquisar se o paciente é hipertenso, verificar se ele usa álcool ou outras drogas além do tabaco e saber se suas vacinas estão em dia, completando-as se necessário. É fundamental, na interação médico-paciente, orientar o cliente sobre esses aspectos, incluindo até problemas relacionados a saneamento básico. Claro que o médico não vai cavar os drenos e colocar as manilhas de esgoto, mas tem a obrigação de advertir o doente quanto aos riscos da falta de saneamento básico, estimulando-o a batalhar por aquilo que pode e deve exigir dos governantes. Eleições são para isso mesmo, para acabar com as mutretas da vida. A dificuldade de incorporar a medicina preventiva ao dia-a-dia da prática médica deriva de anos de negligência das faculdades -e não apenas das péssimas que existem. As consideradas melhores faculdades devem dar a devida ênfase ao tema, focalizando a perversidade do sistema, que recompensa os procedimentos e atos ditos de alta tecnologia, como variadas terapias cirúrgicas, por exemplo. Mais uma vez frisamos: se alguma culpa há, ela é da desorganização da assistência à saúde neste país. Como não prevalece uma diretiva organizada, o que acontece é a submissão às pressões. Alguns especialistas, quando se sentem prejudicados e ao menor rumor de menores pagamentos nas áreas respectivas, voam para Brasília. Os que não possuem essa capacidade -sanitaristas são uma ótima ilustração, pois estão no governo em escalões muito pouco influentes, não obtendo o acesso que certos profissionais conseguem a ilustres próceres desta terra- ficam só nas reclamações ou no choro. Também estão errados. Caberia a eles levar esses pontos a público, pois, num regime democrático, a transparência das posições é fundamental e permite que o povo julgue a ordem das prioridades a serem atendidas. Reiteramos que medicina é uma só. Preventiva sempre, curativa quando preciso. Se não for possível a cura, impõe-se reabilitar quem foi lesado pela enfermidade. E a reabilitação é, provavelmente, o ponto mais fraco da medicina brasileira, mais deficiente até que o âmbito da prevenção. Vicente Amato Neto, 73, médico infectologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. Jacyr Pasternak, 60, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Anthony S. Harrington: Até logo, Brasil Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
|