São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Canção do exílio

RIO DE JANEIRO - Cidade exagerada, mas com um charme que nem os problemas que a afligem conseguem destruir, o Rio se dá ao luxo de ter dois aniversários, de comemorar seu nascimento duas vezes a cada ano. Em 20 de janeiro, por causa de são Sebastião, seu padroeiro, dia da batalha final entre portugueses contra os franceses e seus aliados tamoios pela posse da cidade.
Em 1º de março, data oficial de sua fundação, no morro Cara do Cão -os portugueses não eram bons na hora de batizar os lugares por onde passavam.
Como carioca radical e livre (estão em moda os radicais livres), gosto de comemorar as duas datas como se fossem uma só -e mais houvera pretexto, mais comemoraria. Acho que a cidade merece, apesar da crise de violência que atravessa e da onda negativa que a mídia, a nacional e a internacional, está fazendo contra ela, não poupando nem as tchecas obesas que se banham em Ipanema.
Quanto à violência, é uma questão de grau. Como gênero, todas as cidades com mais 2 milhões de habitantes, aqui ou lá fora, estão passando pelo mesmo drama, apenas com reduzida repercussão na mídia. Temos até mesmo um campeonato interno para saber quem ocupa a "pole position" do crime organizado ou desorganizado, se São Paulo ou Rio, correndo por fora outras candidatas com menos exposição, mas com proporcional dose de mortes, assaltos, seqüestros e shows da pesada.
Entre as virtudes do carioca, está a de se lixar para quem fala mal do Rio. Ele próprio é o primeiro a pichá-lo, a reclamar de tudo e de nada, mas a ele se agarra. Quando vai a Niterói, que é perto, sente-se exilado. E, quando vai a São Paulo, que é longe, sente-se confinado.
Ao contrário da canção de Gonçalves Dias, aqui temos poucas palmeiras e poucos sabiás. Nossas aves mais domésticas são as cambaxirras, que não chegam a cantar. E, em lugar das palmeiras, temos os oitis do bulevar de Vila Isabel, terra de Noel.


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