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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Favas descontadas
Parece que não pode mudar.
Parece que a única alternativa politicamente viável é a recondução ao
poder dos mesmos que governavam o
país antes, em nome do mesmo projeto dos que governam agora. Parece
que o declarado contentamento da
maioria dos eleitores com o presidente desmente a força do desejo mudancista. Parece que a possibilidade de
mudar acabou quando a economia
voltou a crescer. Parece que o continuísmo encontra reforço definitivo na
ausência de agentes políticos, nacionalmente visíveis, que representem
outro rumo com a moderação, o realismo e a competência que os cidadãos
têm o direito de exigir.
Parece, mas não é: entre todos esses
"pareces" e a realidade, há espaço para
a vontade transformadora atuar.
Para começo de conversa, quando
foi a última vez que os fatos aconteceram em nossa política de acordo com
o roteiro anunciado nos jornais? É para jogar roteiros fora e para escrever
outros que se faz política. A recente
eleição na Câmara dos Deputados é
pequeno exemplo: só não acontece o
surpreendente quando o sentimento
de sua impossibilidade inspira as
omissões que acabam por tornar o
surpreendente impossível.
Vencida essa preliminar, importa
entender como o eleitor encarna eleição. Ele não precisa de crise econômica para repudiar um governo. A história da política moderna em qualquer
país demonstra que opções eleitorais
por mudanças de rumo ocorrem com
mais freqüência em situações de desafogo econômico do que em momentos de descalabro econômico: o pânico desestimula reorientações decisivas. Mais perigoso para o poder numa
democracia do que reveses na economia é a disposição popular de partir
para novas tarefas e a convicção popular de que elas exigem novos executores.
O eleitor pode avaliar bem um governo e, contudo, despedi-lo, como
aconteceu na última eleição paulistana. Voto não é distribuição de medalha em concurso de prêmios; é decisão
a respeito do futuro. Há duas indagações em eleição: qual a tarefa da próxima etapa e quem, entre os concorrentes, pode melhor executá-la? Quem
cumpriu bem uma missão na vida nacional raramente será o mais capaz de
cumprir a missão seguinte. A obra de
estabilização econômica está feita;
ninguém que seja responsável quererá
revertê-la. A obra seguinte é botar o
país para trabalhar e para estudar.
É verdade que a bagunça partidária e
os acertos entre o governo e os oligopólios de mídia dificultam o aparecimento de novas mensagens e novos
mensageiros. Entretanto os brasileiros
sabem defender-se: anulam essas dificuldades excepcionais com facilidades
igualmente extraordinárias. Despidos
de preconceitos em política e afeitos a
opções eleitorais audaciosas, buscam
saída sob qualquer rótulo e agente sob
qualquer roupagem. Candidato presidencial desconhecido no Brasil se faz
conhecido em um mês de campanha.
Basta um mês para produzir reviravolta no quadro sucessório.
Resumo da história. É muito difícil
desmontar a máquina que se apoderou do Brasil, feita de dinheiro que
compra consciências, de temores que
corroem esperanças e de dogmas que
substituem pensamentos. Quem diz,
porém, que a eleição presidencial de
2006 são favas contadas não entende
de política. E não entende de Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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