São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS NOBRE

Depois do boicote

TUDO ACONTECEU muito rapidamente. A decisão dos atletas da União Européia de boicotar os Jogos Olímpicos na China se alastrou rapidamente para todo o planeta.
No Brasil, multidões se dirigiram aos centros de treinamento. Levavam flores e faixas com o slogan mundial do movimento: "Jogo limpo, só com democracia". A turma da Anistia Internacional distribuiu medalhas de "campeões dos direitos humanos". O pessoal do Greenpeace levou cartazes: "Quem joga limpo não destrói a natureza".
Os comitês olímpicos dos EUA, da Rússia e do Japão decidiram punir os atletas que não se apresentassem na data estipulada. O movimento hip-hop nos três países decidiu fazer piquetes nos locais de concentração dos atletas, realizando performances ininterruptas durante uma semana.
Uma delegação de refugiados da guerra em Darfur foi enviada a Cuba para convencer a população de que não valia a pena ganhar medalhas com sangue. Desse encontro surgiu o ritmo musical que tomou conta das rádios em todo o mundo e que ficou conhecido pelo nome de "AfroNómada".
A mobilização no Brasil tomou contornos inéditos. Os conselhos de segurança das cidades tiveram de transferir suas reuniões para estádios de futebol, tal a quantidade de pessoas que queria participar.
Prisões se tornaram pontos de encontro. Grupos pedem aos carcereiros e aos policiais que contem suas experiências. A superlotação carcerária foi resolvida com a construção emergencial de novos presídios. A campanha "adote um preso" tem uma fila de espera de vários meses.
Em uma atitude inesperada, uma juíza do Rio de Janeiro permitiu que réu e vítima decidissem de comum acordo as regras do próprio processo durante 12 horas. Cada qual contou a sua história como quis e teve de ouvir tudo o que a outra parte tinha a dizer. Mesmo tendo compreendido e perdoado o seu agressor, a vítima insistiu, ao final, em que queria uma pena para o réu. Mas hoje o visita toda semana.
Pretendem escrever um livro juntos.
Não se sabe ainda no que vai dar a atual movimentação em torno do slogan "quem quer democracia não tolera pobreza". Mas já há indícios claros de que todo o sistema de tributação brasileiro será virado de ponta-cabeça.
O repórter Francisco Buarque de Hollanda, da Agência de Notícias João e Maria, relatou que uma espécie muito rara de passarinho espanhol teria cantado (com sotaque) esse momento único da história mundial em letra de sua própria autoria. Mas o fato não foi ainda confirmado por uma fonte menos lírica.
Um feliz 1º de abril para todo mundo.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Vênus virtual
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.