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CARLOS HEITOR CONY
Vênus virtual
RIO DE JANEIRO - Cheguei ao
hotel em Florença. Constrangido, o
dono me avisou que houvera problema com a linha telefônica. Se eu
precisasse acessar a internet ele me
arranjaria outro hotel.
No mesmo instante, chegou a
moça para fazer o seu check-in. Avisada de que não teria linha para a
internet, perguntou como e onde
poderia quebrar o galho, navegar
era preciso.
O dono indicou, 20 metros adiante, uma loja que dispunha de vários
computadores, preço razoável. A
moça gostou. Mandou subir a mochila para o quarto, nem subiu para
ver como era, foi diretamente buscar as ondas digitais onde lançaria
suas naves no oceano virtual.
Bem, subi ao meu quarto, tomei
banho, desci para dar uma volta. Lá
estava a moça agarrada ao teclado, a
luz trêmula e azulada do monitor
batendo em seu rosto.
Fui ver o "Putto in Giardino", de
Verrochio, no pátio principal do Palazzo Vecchio. Almocei costeleta à
moda florentina, tomei lentamente
um chianti encorpado, com aquela
cor viril dos vinhos da Toscana. Voltei ao hotel. A moça continuava
navegando.
Ao cair a noite, saí para jantar, a
moça continuava diante do mesmo
monitor.
Jantei, voltei quase meia-noite, a
tal loja estava deserta, somente
uma pessoa navegava no mundo
virtual: ela. Não almoçara, não jantara, não tomara banho, não mudara de roupa, não vira o anjinho de
Verrochio nem a fachada de mármore de Santa Maria dei Fiori.
No dia seguinte, encontrei-a fechando a conta do hotel, indo para
Bolonha. Perguntei se gostara de
Florença. Sim, disse ela. "Adorei tudo. Amei os Botticelli no Uffizi".
A moça precisaria de duas horas
só para enfrentar a fila e entrar no
museu. Gostara sobretudo de "O
Nascimento de Vênus".
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