São Paulo, terça-feira, 01 de maio de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Arapongas oficiais

RIO DE JANEIRO - Para quem trabalha todos os dias, o Dia do Trabalho é um pleonasmo. Por isso mesmo, por ser data óbvia, vou comemorá-la com uma crônica aleatória -desconfio que todas elas o sejam.
Semana passada, latinistas de vários quilates corrigiram o título de uma crônica minha: ""Quid prodest?" . O certo, segundo eles, seria o dativo ""cui prodest?".
Acontece que, propositadamente, eu não me referia a ninguém. Não interrogava a quem interessa a violação do painel eletrônico do Senado, e sim, o que no episódio interessa. É uma pergunta impessoal. Não se refere a nenhuma entidade física, mas à entidade jurídica do poder. Os assessores palacianos, uns pelos outros e em diferentes níveis, são arapongas sofisticados. Precisam conhecer as entranhas do Congresso para projetar a estratégia do governo. É isso o que interessa, o ""quid prodest".
Aproveito estar com a mão na massa para, mais uma vez, esclarecer que não demonizo pessoas. Dentro das minhas limitações, procuro separar o pecador do pecado. O único pecador que eu conheço -e por quem peço perdão- sou eu próprio: eu, pecador.
O episódio do painel eletrônico, já o disse aqui, em si é irrelevante. Os responsáveis pela gravação, todos, sem exceção, merecem o constrangimento por que estão passando. Cometeram uma falta que exige reprovação.
Mas todos eles agiram, direta ou indiretamente, para beneficiar o poder, alimentando-o com informações que podem ser obtidas por delações pessoais ou por meios eletrônicos: gravações, escutas telefônicas, estupro de computadores pessoais e painéis coletivos.
No caso Watergate, ficou claro que todas as barreiras morais são ultrapassadas pela fome de informações. Quanto mais secretas, mais valiosas.
O que interessa ("quid prodest") não são os pecadores que passam, mas o pecado que fica, que pretende tornar o poder cada vez mais poderoso.


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