São Paulo, terça-feira, 01 de maio de 2001

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Uma visita ao México

Dois dias de discussão no México com o presidente Fox e com seus colaboradores revelam um governo que descobre a diferença entre ganhar a admiração dos americanos e dos europeus e conseguir desenvolver e democratizar o México. A eleição de Fox, um momento de ressurreição nacional, impôs ao país e a seu governo uma tarefa para cuja execução escasseiam tanto idéias claras quanto forças organizadas.
O projeto empunhado pelo presidente e por seus ministros mais arrojados tem três vertentes: armar a cidadania com meios para fazer guerra contra o clientelismo e a corrupção, promover uma revolução no ensino público que entusiasme e capacite o país e reorientar o crescimento econômico, ampliando a sua base social e o seu potencial produtivo.
Organizações da polícia e do Ministério Público, espalhadas por todo o país, receberiam denúncias de corrupção e passariam a investigá-las, com independência do governo. Centros de assistência jurídica popular dariam aos mexicanos os recursos para conhecer e defender seus direitos.
Na educação, não basta universalizar a escola secundária. É preciso, também, substituir a decoreba por um ensino seletivo, analítico e capacitador. Impõem-se um programa maciço de treinamento de professores e um federalismo flexível. União, Estados e municípios se associariam para vigiar e cumprir mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola.
Na economia, trata-se de superar o modelo "maquilador" das indústrias montadoras, com pouco de componente mexicano ou de vínculo com o resto do sistema produtivo. Reinventar um processo de substituição de importações que multiplique oportunidades e que seja compatível com a abertura para o mundo. E empregar a parte mais pobre da população em grandes frentes de trabalho que associem o governo com a iniciativa privada na construção de casas, escolas e estradas.
Acuado pela desaceleração da economia americana, Fox sabe que terá de virar Roosevelt para não acabar como Hoover. Seu drama, porém, é não contar com uma crise grave o bastante para forçar o México a abandonar a mediocridade.
Os aliados potenciais são as dezenas de milhões de mexicanos que, à margem de uma estrutura corporativista decadente, aspiram à condição de pequenos empreendedores e trabalhadores qualificados. É preciso organizá-los em torno das iniciativas em economia e educação. E criar um partido de centro-esquerda que sustente o novo rumo e provoque a rearrumação de todo o espaço partidário.
No gabinete do presidente, o retrato de Madero -profeta e mártir da Revolução Mexicana- lembra a fragilidade de qualquer projeto que não se apóie numa idéia que a nação compreenda, compartilhe e defenda. De todos os milagres de que precisa o México, o mais importante é a transformação das consciências por uma visão do futuro nacional.
Um grande país se pode construir com 95% de pragmáticos entre seus quadros dirigentes. Não com 100% de pragmáticos. Os 5% de visionários fazem falta ao México -e ao Brasil.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.


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