São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

É hora de prestar contas

JOÃO ANTÔNIO FELÍCIO

Aqui se vai falar de responsabilidades. Como acontece em todos os anos, os meios de comunicação mostrarão neste mês, em que se comemora o Dia do Trabalho, um retrato dos brasileiros comuns. Serão apresentados textos, números, cenas e fotografias de um crime que, ano após ano, está sendo cometido contra os trabalhadores: o confisco branco de parte dos salários, a interdição do direito à mínima proteção social, ao registro de suas horas de lida, ao repouso, ao futuro. Um crime que ocupará a mídia, mas... sem menção direta aos responsáveis.
Ainda que sob o risco de ser taxada de radical e beligerante -em oposição a um tipo de sindicalismo que floresceu para que pareçam legítimos esses anos de crimes sem criminosos, de confiscos sem rompimento de contratos, de governos sem culpas nem responsabilidades-, a nossa CUT (Central Única dos Trabalhadores) se vê compelida a falar, sim, dos agentes desse estado de coisas.
Triste um país no qual o governo não tem de explicar as razões de um crescimento de apenas 1,5% no ano de 2001. Mais ainda, que não se vê obrigado a mudar nada, mesmo quando percebe que a renda per capita cresceu ainda menos: 0,19%, segundo o IBGE.
Haverá quem diga que 2001, afinal, foi um ano difícil. Mas antes também não foi diferente. De 1997 a 2000, o PIB per capita aumentou somente 1%; tempos em que os trabalhadores tiveram perda de rendimento de 4%. Essa conta fecha? Todas as informações se baseiam em dados do IBGE, aqueles sobre os quais as áreas econômica e social do governo não se vêem obrigadas a comentar. Também não se vêem obrigadas a mudar de rumo -ao contrário, avisam que "o Brasil tem rumo".
Rumo tem tido, e decerto é o da concentração de renda. Não é a CUT a dizer, são os números.
A pesquisa do Dieese, em conjunto com a Fundação Seade, cuja metodologia propicia um retrato mais fiel daquilo que se passa nas ruas das grandes cidades, mostra uma queda de 22% na renda dos trabalhadores da região metropolitana de São Paulo, entre 1995 e 2001.
Neste ano, a pesquisa reafirma a tendência de empobrecimento. E mais, mostra uma taxa de desemprego de 20% em março, percentual equivalente ao registrado nos piores momentos da história do país. Só que, desta vez, não há crise externa que a explique, não há mudança na política cambial, nada, a não ser a continuidade de um projeto político e econômico.


Rumo [o Brasil] tem tido, e decerto é o da concentração de renda. Não é a CUT a dizer, são os números


Se alguém tinha dúvida da natureza sinistra desse projeto na sua forma plena, basta olhar para uma parte dele, que ora tramita no Senado e torna as leis trabalhistas, simplesmente, dispensáveis. Iniciativa que, se implementada, ameaça deixar os trabalhadores sem amparo legal. Não há dúvidas de que as maiores vítimas serão, de novo, os que engrossam as estatísticas da miséria nacional.
Em nome dos 21 milhões de trabalhadores que representa, a CUT quer explicações públicas dos governantes sobre esses dados -e sobre tantos outros- do IBGE e do Dieese, que mostram o mercado de trabalho avançando para a informalidade quase total, a cada dia um adversário mais forte do jovem, da mulher, dos que têm mais de 40 anos, do pai ou da mãe de família que são obrigados a residir na periferia, do negro e do deficiente físico.
Quer que seja explicitado, de uma vez por todas, por que o Brasil foi posto no rumo do desemprego, dos salários aviltados, das políticas monetária e fiscal que colocam o país abaixo de qualquer linha civilizada de distribuição de renda, da violência urbana sem limites, do crime organizado se agigantando -porque o Estado está encolhendo.
Vale destacar que o Estado encolhe, notadamente, para os mais necessitados, com o sucateamento dos serviços de saúde e de educação, com a retirada de mecanismos de proteção contra a inflação para os assalariados, entre outros. Já o sistema financeiro, as empresas de distribuição de energia privatizadas, assim como as de telecomunicações, têm um Estado forte e atuante para garantir suas margens de lucros. Somos o país do capitalismo sem riscos, da socialização do prejuízo e da privatização do lucro.
Em todos os países do mundo, governantes prestam contas. Os anos Fernando Henrique Cardoso, que o marketing presidencial batizou com o espetaculoso nome de "Era FHC", têm, como se vê, nome e sobrenome.
É preciso parar, neste Dia do Trabalho, para pensar nos autores do grande flagelo que aparecerá nos textos, nos números, nas cenas e fotografias do universo do trabalho. É assim que se vai exercer a democracia que todos desejamos -e pela qual tantos de nós, nos locais de trabalho, no movimento social e sindical, lutamos.


João Antônio Felício, 51, professor, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Foi presidente da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Paulo Jobim: Prioridades em 2002

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.