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CARLOS HEITOR CONY
Encontros sociais
RIO DE JANEIRO - "Diante de
dois imbecis desconhecidos, eu me
torno mais imbecil do que eles." Li
essa frase num velho almanaque no
tempo em que havia almanaques,
que funcionavam mais ou menos
como o Google de hoje. Eles ensinavam o melhor modo de tirar manchas dos brocados, do melhor mês
para plantar mandioca e lembravam que Agripina morreu no ano 59
da era cristã.
Eram informações inúteis para
mim, não sabia o que era brocado,
não pretendia plantar mandioca e
poderia passar a eternidade inteira
ignorando a morte da mãe de Nero.
Mas a frase relativa à imbecilidade
dos desconhecidos e da minha própria imbecilidade, nunca a esqueci,
não sei se era de Anatole France ou
de Edmond Goncourt. Não importa
a autoria: ela se aplicava ao meu caso e acredito que ao de muita gente.
Nada mais constrangedor numa
reunião social do que o encontro de
duas ou três pessoas que se ignoram
mutuamente. Podem ser gênios em
suas respectivas áreas, homens de
ilibada virtude e profunda sapiência. Mas, ao contato com pessoas
estranhas, funcionam como débeis
mentais, aprovando por cortesia todas as afirmações emitidas e concordando com as opiniões que nenhum deles na verdade defendem.
Por desgraça do destino, sendo eu
um animal pouco sociável, sou vítima freqüente desses encontros dos
quais saio geralmente com mais
dois desafetos. Semana passada,
exagerei no meu azar. Após uma cerimônia num desses espaços culturais que transformam uma garagem
em auditório, fiquei frente a frente
com dois desconhecidos que já conhecera antes, numa reunião semelhante. Vagamente, eles se lembravam de mim, mas o mesmo não
acontecia comigo. Tive a indelicadeza de aludir, genericamente, aos
imbecis desconhecidos. Um deles
discordou: "Piores são os conhecidos imbecis".
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