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TENDÊNCIAS/DEBATES
O atual entendimento com os EUA no
contencioso do algodão é benéfico ao Brasil?
SIM
Medidas de compensação são positivas
MIGUEL JORGE
OITO ANOS após o início do contencioso do algodão na OMC
(Organização Mundial do Comércio), Brasil e Estados Unidos estão diante de um processo negociador
que pode levar a desfecho positivo
para o caso.
Em 2002, o Brasil acionou os Estados Unidos na OMC em razão dos
programas americanos de subsídios.
Em 2005, a OMC deu ganho de causa ao Brasil. Finalmente, em agosto
de 2009, o Brasil foi expressamente
autorizado a retaliar os EUA, que não
cumpriram a decisão, em bens, serviços e propriedade intelectual.
No dia 8 de março, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou a
resolução nº 15, que aumenta a alíquota do Imposto de Importação de
102 itens originários dos EUA.
O governo brasileiro decidiu que o
aumento das alíquotas entraria em
vigor no dia 7 de abril, oferecendo assim mais uma oportunidade para que
solução negociada fosse alcançada.
Nesse período, as partes reuniram-se e chegaram a um acordo inédito e
positivo para ambos os lados.
Os EUA se comprometeram a adotar as seguintes medidas: 1) estabelecimento de fundo para financiar projetos para a cotonicultura brasileira,
no valor de US$ 147,3 milhões anuais
(valor do prejuízo dos cotonicultores,
calculado pela OMC em função dos
programas de apoio doméstico nos
EUA); 2) suspensão de recursos para
o programa de garantia de crédito à
exportação (chamado de GSM 102),
que voltariam a ser disponibilizados
sob novas condições; e 3) agilização
do processo de reconhecimento sanitário da carne suína e bovina.
A criação do fundo permitirá aplicar recursos em ações de interesse
dos produtores brasileiros de algodão
prejudicados pelos subsídios norte-americanos, tais como capacitação,
assistência técnica, combate a pragas
e outros, trazendo benefícios à cotonicultura nacional como um todo.
O programa de garantia de crédito à
exportação (GSM 102) foi considerado pela OMC como um subsídio proibido, entre outros motivos, por oferecer aos importadores de produtos
agrícolas americanos condições que
não correspondem a níveis normais
de mercado.
A modificação de regras do GSM
102 trará benefícios não somente aos
produtores de algodão mas também
melhores condições de concorrência
no mercado mundial de diversos produtos agrícolas, como milho, arroz,
carne, soja e derivados.
O acesso ao mercado norte-americano para a carne é uma das mais antigas e importantes demandas comerciais do agronegócio brasileiro.
Os EUA se comprometeram a reconhecer que o produto brasileiro cumpre suas rigorosas exigências sanitárias, o que abrirá as portas do mercado norte-americano para os exportadores brasileiros de carne.
Diante do efetivo cumprimento dos
três compromissos por parte dos
EUA, o Brasil adiou a entrada em vigor das medidas de retaliação por 60
dias, prazo em que haverá negociação
de cronograma para implementar a
decisão da OMC sobre o contencioso.
O processo negociador em curso
promete ser difícil. Os programas de
apoio doméstico nos EUA estão inseridos na "Farm Bill", a lei agrícola
norte-americana, que será revisada
pelo Congresso apenas em 2012.
Sem prejuízo das compensações
temporárias oferecidas pelos EUA, o
cumprimento da decisão da OMC
passa necessariamente pela modificação desses programas.
Vários congressistas americanos
são a favor da eliminação desses subsídios, por seus elevados custos e efeitos distorsivos sobre o comércio internacional. Por outro lado, o lobby
do setor agrícola é muito forte e deverá representar uma importante barreira para a revisão da "Farm Bill".
No entanto, o entendimento preliminar firmado entre Brasil e Estados
Unidos é importante e positivo.
Além das medidas de compensação
já negociadas, que trazem efeitos positivos para a economia brasileira, pela primeira vez estamos diante de
possibilidade concreta para a solução
de um dos contenciosos mais importantes e simbólicos da história da Organização Mundial do Comércio.
O cumprimento da decisão da
OMC significará grande vitória não
somente para os produtores brasileiros de algodão mas também para todo
o sistema multilateral do comércio.
MIGUEL JORGE, 65, jornalista, é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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