São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O atual entendimento com os EUA no contencioso do algodão é benéfico ao Brasil?

NÃO

É preciso manter ameaça de retaliação

PEDRO DE CAMARGO NETO

A OMC condenou três políticas agrícolas: o programa de subsídios "marketing loan" (programa de preços mínimos), o programa de pagamentos contracíclicos e o programa de risco de crédito à exportação, conhecido como GSM 102.
As duas primeiras políticas foram condenadas por causarem dano ao Brasil, e a terceira foi condenada por ser considerada ilegal, pois representa um subsídio à exportação.
As duas primeiras políticas exigem alteração legislativa, e o Brasil teria que, neste momento, aceitar preliminarmente um acordo de compromisso futuro. A terceira, porém, pode ser alterada pelo Executivo, como de fato foi. Infelizmente, a maneira como isso ocorreu não trouxe tranquilidade.
Aceitar que os EUA continuem com um programa declarado ilegal pela OMC foi claro equívoco.
Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de iniciar a construção de um novo tempo, em que as regras acordadas são cumpridas.
Os EUA demoraram muito para decidir negociar. Foi preciso estar às vésperas do início da retaliação em bens, com o Brasil seguindo firme no processo da retaliação em propriedade intelectual e serviços, para que decidissem sentar à mesa. Era o momento de avançarmos rumo à mudança da política americana condenada pela OMC.
Como primeiro ato após o acordo preliminar no início de abril, os EUA suspenderam o programa GSM 102.
Durou, porém, apenas duas semanas, retornando com alterações no sentido correto, contudo insuficientes, para torná-lo legal. Pior do que isso, esse retorno praticamente imediato foi realizado à revelia de uma negociação com o Brasil, caracterizando a fragilidade do acordo obtido.
O programa GSM 102 é responsável por grande parte do valor autorizado de retaliação. É ele que destrava o gatilho incluído na decisão da OMC que possibilita a retaliação em propriedade intelectual e serviços.
Foi essa ameaça que fez os EUA finalmente decidirem negociar.
Sua gestão está nas mãos do Poder Executivo. O que for feito com esse programa agora sinaliza o que poderá ser feito com os outros dois no futuro, mais difíceis, pois dependentes do Legislativo.
Precisará também ser negociado nos próximos 60 dias um acordo de compromisso futuro indicando como a administração Obama defenderá no Legislativo a mudança dos dois programas de subsídios ao setor em 2012, quando a legislação de política agrícola entra em reforma automática.
A tarefa é complexa, pois será preciso obter compromissos difíceis de serem garantidos, sendo necessário manter a ameaça da retaliação.
Também foi obtido o compromisso de dar prosseguimento adequado a processos de abertura de mercado para as carnes bovina e suína. O primeiro passo, já cumprido, foi o início de consulta pública referente à aprovação do Estado de Santa Catarina, processo que estava bastante adiantado.
Também dentro do acordado, os EUA deverão transferir para um fundo financeiro, sob gestão público-privada brasileira, o montante de US$ 147 milhões anuais a propósito de indenizar os danos causados. O valor é muito superior a qualquer outra indenização já ocorrida na OMC.
Na semana passada, foi assinado um memorando de entendimento sobre a gestão e os usos desse fundo, que, infelizmente, exclui a pesquisa agronômica, talvez a principal necessidade. O valor é extremamente significativo, exigindo grande responsabilidade de seus futuros gestores.
O fundo já começa a causar impacto na opinião pública americana. Editoriais, blogs e sites especializados que acompanham comércio sinalizaram importante reação.
Afinal, o Tesouro norte-americano passou agora a subsidiar também os agricultores do Brasil.
Bem utilizado, como alavanca de mudanças e comunicação, o fundo pode ser muito efetivo em 2012.
É preciso, porém, não se esquecer de que o objetivo inicial ainda não foi atingido. Esse fundo é a cereja no bolo, mas é essencial que o bolo exista.

PEDRO DE CAMARGO NETO, 61, é presidente da Abipecs - Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Carne Suína. Foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura (governo Fernando Henrique) e, nessa função, iniciou a ação contra os EUA na OMC relacionada aos subsídios ao algodão.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Miguel Jorge: Medidas de compensação são positivas

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.