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TENDÊNCIAS/DEBATES
O atual entendimento com os EUA no
contencioso do algodão é benéfico ao Brasil?
NÃO
É preciso manter ameaça de retaliação
PEDRO DE CAMARGO NETO
A OMC condenou três políticas
agrícolas: o programa de subsídios "marketing loan" (programa de preços mínimos), o programa
de pagamentos contracíclicos e o programa de risco de crédito à exportação, conhecido como GSM 102.
As duas primeiras políticas foram
condenadas por causarem dano ao
Brasil, e a terceira foi condenada por
ser considerada ilegal, pois representa um subsídio à exportação.
As duas primeiras políticas exigem
alteração legislativa, e o Brasil teria
que, neste momento, aceitar preliminarmente um acordo de compromisso futuro. A terceira, porém, pode ser
alterada pelo Executivo, como de fato
foi. Infelizmente, a maneira como isso ocorreu não trouxe tranquilidade.
Aceitar que os EUA continuem com
um programa declarado ilegal pela
OMC foi claro equívoco.
Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de iniciar a construção de um
novo tempo, em que as regras acordadas são cumpridas.
Os EUA demoraram muito para decidir negociar. Foi preciso estar às
vésperas do início da retaliação em
bens, com o Brasil seguindo firme no
processo da retaliação em propriedade intelectual e serviços, para que decidissem sentar à mesa. Era o momento de avançarmos rumo à mudança da política americana
condenada pela OMC.
Como primeiro ato após o acordo
preliminar no início de abril, os EUA
suspenderam o programa GSM 102.
Durou, porém, apenas duas semanas, retornando com alterações no
sentido correto, contudo insuficientes, para torná-lo legal. Pior do que isso, esse retorno praticamente imediato foi realizado à revelia de uma
negociação com o Brasil, caracterizando a fragilidade do acordo obtido.
O programa GSM 102 é responsável
por grande parte do valor autorizado
de retaliação. É ele que destrava o gatilho incluído na decisão da OMC que
possibilita a retaliação em propriedade intelectual e serviços.
Foi essa ameaça que fez os EUA finalmente decidirem negociar.
Sua gestão está nas mãos do Poder
Executivo. O que for feito com esse
programa agora sinaliza o que poderá
ser feito com os outros dois no futuro,
mais difíceis, pois dependentes do
Legislativo.
Precisará também ser negociado
nos próximos 60 dias um acordo de
compromisso futuro indicando como
a administração Obama defenderá no
Legislativo a mudança dos dois programas de subsídios ao setor em 2012,
quando a legislação de política agrícola entra em reforma automática.
A tarefa é complexa, pois será preciso obter compromissos difíceis de
serem garantidos, sendo necessário
manter a ameaça da retaliação.
Também foi obtido o compromisso
de dar prosseguimento adequado a
processos de abertura de mercado para as carnes bovina e suína. O primeiro passo, já cumprido, foi o início de
consulta pública referente à aprovação do Estado de Santa Catarina, processo que estava bastante adiantado.
Também dentro do acordado, os
EUA deverão transferir para um fundo financeiro, sob gestão público-privada brasileira, o montante de US$
147 milhões anuais a propósito de indenizar os danos causados. O valor é
muito superior a qualquer outra indenização já ocorrida na OMC.
Na semana passada, foi assinado
um memorando de entendimento sobre a gestão e os usos desse fundo,
que, infelizmente, exclui a pesquisa
agronômica, talvez a principal necessidade. O valor é extremamente significativo, exigindo grande responsabilidade de seus futuros gestores.
O fundo já começa a causar impacto
na opinião pública americana. Editoriais, blogs e sites especializados que
acompanham comércio sinalizaram
importante reação.
Afinal, o Tesouro norte-americano
passou agora a subsidiar também os
agricultores do Brasil.
Bem utilizado, como alavanca de
mudanças e comunicação, o fundo
pode ser muito efetivo em 2012.
É preciso, porém, não se esquecer
de que o objetivo inicial ainda não foi
atingido. Esse fundo é a cereja no bolo, mas é essencial que o bolo exista.
PEDRO DE CAMARGO NETO, 61, é presidente da Abipecs
- Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de
Carne Suína. Foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura (governo Fernando Henrique) e, nessa função, iniciou a ação contra os EUA na OMC relacionada aos subsídios ao algodão.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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