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CLAUDIA ANTUNES
A mão direita
Discípulo e ex-colaborador de
Pierre Bourdieu, o sociólogo Loïc
Wacquant costuma apontar a "mão
de ferro" do Estado, que reprime e pune, como o complemento institucional cada vez mais necessário à "mão
invisível" do mercado, que, livre de
amarras, produziu nos últimos 20
anos a explosão do trabalho precário e
do desemprego.
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, autor de "Prisões
da Miséria" (editora Jorge Zahar),
Wacquant vê nos Estados Unidos a
matriz da preponderância dessa "mão
direita" do Estado, representada pela
polícia e pelo sistema penitenciário.
Lá, a população carcerária foi multiplicada por três nos anos 90, tornando-se a maior do mundo, com 2 milhões de prisioneiros.
Na Europa, onde a rede de proteção
social foi enfraquecida, mas não pôde
ser desmantelada, a "mão direita" não
domina, mas avança, como atesta a
influência do tema da segurança nas
eleições na França e na Holanda. Se,
nos Estados Unidos, os alvos preferidos da repressão são negros e latinos
(presentes desproporcionalmente entre os presos), na Europa ela se volta
contra os imigrantes.
No Brasil, vivemos, na virada dos
anos 90, o paradoxo de aprovar uma
Constituição que aumentava gastos
sociais, criando um arremedo de Estado previdenciário, e, logo depois, embarcar tanto no modelo de liberalização econômico-financeira quanto na
"cruzada contra as drogas" -um dos
motivos, nos Estados Unidos, do crescimento do contingente de presidiários, a partir do endurecimento das
penas para posse e tráfico.
O resultado é um círculo vicioso, no
qual os pobres têm mais acesso a saúde, educação e aposentadoria, mas o
país não cresce o suficiente para proporcionar-lhes também renda e trabalho. Sem ter como integrar-se pela
ocupação à sociedade "legal", o excedente humano criado pelo modelo
econômico inclina-se para a criminalidade.
A resposta é o aumento da repressão
(as polícias do Rio e de São Paulo estão
matando cada vez mais neste ano de
eleições) e da população carcerária.
Mas, com as restrições orçamentárias
do Estado e a mediocridade do crescimento da economia, não há dinheiro
suficiente para investir ao mesmo
tempo no sistema penitenciário e em
rubricas sociais obrigatórias. Sucedem-se as fugas, os escândalos de corrupção nos presídios, as exposições do
inferno nos reformatórios para menores de idade. As prisões de segurança
máxima, orgulho americano, aqui não
passam de uma paródia.
Quando a campanha eleitoral põe a
segurança em primeiro plano, e os noticiários da TV mal disfarçam a decepção por não verem as Forças Armadas
na rua ou o estado de defesa decretado, como pediu o prefeito carioca Cesar Maia, volta-se a dizer que o crime
domina onde não há a presença do Estado. Mas isso é apenas meia verdade.
Há nove escolas municipais no complexo de favelas do Alemão, quartel-general do "mais procurado" traficante do Rio, Elias Maluco. Não existe é o
que fazer para viver dignamente
quando as aulas acabam.
Sem resolver essa questão de fundo,
a chamada guerra contra as drogas se
torna apenas mais um meio de controle dos deserdados. Um duplo controle, já que eles também têm sua vida
regulada pelas armas do tráfico. Para
que sobreviva a liberdade irrestrita
das finanças que não têm lastro na
realidade, é preciso que os sobreviventes se cerquem de muros, e que os excedentes humanos sejam enjaulados.
Claudia Antunes é coordenadora de Redação da Sucursal do Rio.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Boris Fausto,
que escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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