|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Tarifas como lições
A controvérsia sobre as tarifas
telefônicas revela confusão perigosa não só no governo mas também
no país. Raciocínio em três etapas
mostra qual o caminho certo e por que
ainda temos dificuldade em trilhá-lo.
O primeiro passo do raciocínio é
constatar o que mandam as leis. As
leis que governam os contratos de
concessão entre o governo e as operadoras prevêem os termos de reajuste
de tarifas. A agência reguladora cumpriu a lei ao aprovar os reajustes anunciados. Se a Anatel tivesse recusado o
reajuste integral de acordo com os índices previstos, as operadoras poderiam ter exercido seu direito legal de
aumentar o preço de certos serviços.
O resultado geral ficaria na mesma.
Não se cumprem leis apenas quando
são sábias; cumprem-se até que se
mudem por meios constitucionais.
Em sua defesa constrangedora dos
reajustes, disse o ministro da Fazenda
que o Brasil precisa continuar a respeitar leis e contratos para demonstrar seriedade aos investidores estrangeiros. O governo brasileiro precisa
respeitar leis e contratos para demonstrar seriedade aos cidadãos brasileiros. Agências reguladoras, no Brasil ou em qualquer democracia contemporânea, não se subordinam a ministros ou a presidentes nem atuam
como correias de transmissão de decisões de governo.
O segundo momento do raciocínio é
reconhecer que o regime regulador
instituído na época das privatizações
está viciado pela obsessão com os investidores estrangeiros e pelo esquecimento dos cidadãos brasileiros. Em
sua concepção original, o regime das
agências funcionou como funciona
agora a proposta de autonomia para o
Banco Central: para resguardar os investidores estrangeiros (que se queriam atrair para as privatizações) contra as iniciativas de futuros governos.
Colocou-se em segundo plano o que
deveria estar em primeiro: os interesses dos consumidores e do país. Isso
explica, por exemplo, a insuficiência,
em todos os setores privatizados, das
exigências legais e contratuais de investimento. Precisamos redefinir, por
lei, as tarefas dos reguladores e as responsabilidades das empresas. E encontrar no maior grau de concorrência que seja sustentável a longo prazo a
melhor disciplina de tarifa.
Chega o raciocínio a seu terceiro e
mais penoso desdobramento. Foi em
vão todo esse agrado aos investidores
estrangeiros. Novos não vêm, e a
maioria dos que estão aqui, inclusive
nos setores privatizados, iria embora
amanhã se descobrisse como sair sem
perder quase tudo. A razão é simples.
O império da lei é indispensável para
os cidadãos; não o é, apesar do que ensina o ideário dominante, para os investidores. Do contrário, não teriam
elegido esse caos jurídico que é a China contemporânea como destino predileto do capital internacional de risco. Para os investidores o que conta é
o que falta agora no Brasil: crescimento econômico e as oportunidades que
ele propicia, mesmo em meio à insegurança jurídica. País governado por
gente que troca a defesa da economia
real pela busca da confiança financeira
e depois tenta atenuar os efeitos dessa
rendição empobrecedora com zoada
popularesca acaba abandonado por
todos. Não deu certo o hábito de fazer
demagogia cara para estrangeiro (em
tema como regime de agência reguladora ou autonomia de Banco Central)
e demagogia barata para brasileiro
(em matéria como discurso inconsequente contra aumento de tarifa). Semeou confusão e ruína.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Deus salve Lula Próximo Texto: Frases
Índice
|