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São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Escamoteação da verdade

ALUÍZIO ALVES

As reformas da Previdência e do sistema tributário são indispensáveis para que o Brasil retorne ao processo de desenvolvimento. Mas nada pode justificar a escamoteação da verdade. Nada justifica que se prive a população e, particularmente, o Congresso Nacional de informações verdadeiras que ensejariam, na reforma da Previdência, a adoção de alternativas que foram repelidas sumariamente pelo governo.
Deputado constituinte em 1946 e membro da legislatura que se seguiu, fui o relator da Lei Orgânica da Previdência Social. Desde 1948 venho acompanhando, com interesses e preocupações, os desdobramentos do sistema previdenciário no Brasil. Há alguns fato que, infelizmente, o atual governo ou esqueceu ou, deliberadamente, omitiu:
1) Os antigos servidores públicos efetivos, vinculados ao antigo Ipase, criado no governo de Getúlio Vargas, contribuíram, mensalmente, com 5% e depois 6% dos seus vencimentos, cabendo ao governo igual contrapartida. Os que estão vivos não representam mais de 2% dos servidores civis da União. Entretanto o Ministério da Previdência afirma e divulga, pelos meios de comunicação, que esses servidores se aposentaram sem nada contribuir;
2) O regime militar, desde a emenda constitucional nš 1, de dezembro de 1969, mesmo realizando concurso público, só admitia servidores civis para empregos regidos pela CLT. Exceção apenas para os membros da carreira diplomática, Receita Federal, Polícia Federal, Poder Judiciário e Ministério Público. Todos, historicamente, contribuíram com 8% sobre seus vencimentos e, na maioria dos casos, a União recolhia a sua parte. Depois a contribuição foi elevada para 9% e, mais tarde, para 11%.
3) Em 1985, quando se instalou a Nova República, com o fim do regime militar, os servidores civis da União regidos pela CLT eram aproximadamente 92% do universo de funcionários. Mesmo antes de ser promulgada a Constituição, em 1988, em pleno processo constituinte, organizei comissão de juristas e técnicos de alto nível, para elaborar o que veio a ser o Regime Jurídico Único. A Constituição estabilizou os servidores celestiais com mais de cinco anos de serviço de emprego, com exceção dos professores universitários, somente contemplados com a estabilidade e a sua conversão em funcionários efetivos com a vigência do regime único.


Apoiemos as reformas. Mas não abdiquemos do direito de emendá-las no que seja necessário para o bem do país


O governo Sarney deixou pronto o projeto de lei do regime único, mas o presidente Collor adiou o quanto pôde seu envio ao Congresso.
4) Uma das mais deploráveis omissões nesse processo de discussão da reforma da Previdência é a de que o governo em momento nenhum divulgou o montante da renúncia fiscal de recursos da Previdência. Por fim, o ministro, interpelado pelo senador Garibaldi Filho, no Senado, constrangidamente revelou a cifra anual, para a perplexidade de todos, que é de R$ 10 bilhões.
5) A proposta de contribuição dos atuais inativos é algo perverso. O Congresso por quatro vezes rejeitou projetos de lei, e o Supremo Tribunal Federal, em decisão de uns seis anos atrás, considerou-a inconstitucional.
6) O governo, em sua proposta de reforma da Previdência, esqueceu completamente a questão dos débitos e sua execução. Por quê? Por que o governo não propôs a fixação de um rito sumário, preservado o contraditório da defesa, para execução desses débitos? Dinheiro que pertence ao sistema previdenciário. Por que o governo não propôs a limitação temporal para a vigência das liminares e cautelares concedidas pelos juízes, ao mesmo tempo estabelecendo prazos mais curtos para o julgamento final dessas ações?
Por que o governo, tanto no texto da reforma da Previdência quanto no parecer do deputado Maurício Rands (PT-PE), dá uma interpretação autoritária, controvertida e desumana ao direito adquirido, ignorando uma tradição que se implantou no país desde os primórdios da República? Por que o governo não respeitou o direito adquirido dos que se aposentaram e que, agora na velhice, doentes, têm a perspectiva de redução dos seus proventos?
Há uma questão até hilariante no parecer do deputado Maurício Rands. Ele propõe, em seu parecer, que a remuneração máxima, intransponível, no âmbito da União, seja a de ministro do Supremo Tribunal Federal. Mesmo na circunstância de uma cumulatividade constitucional. Então, como é que fica a situação do ministro do Supremo que tem uma aposentadoria, constitucional, ética e legal, como professor universitário? Será cassada essa aposentadoria? Mesmo que o ministro tenha, por 30 anos, contribuído para desfrutar dela?
Com a minha experiência de vida, lutas, sonhos e desencantos, faço, aqui, o meu repto: apoio não é escravidão, submissão. Apoiemos as reformas. Mas não abdiquemos do direito de emendá-las no que seja necessário para o bem do país e a paz da sociedade brasileira. Que se faça justiça e não se crie, mais uma vez, um clima de ressentimentos e ódios que nada constrói. Que se pense, inclusive para repor a verdade, numa fase de transição entre servidores com mais de 50% de tempo para se aposentarem e aqueles que, por terem menos tempo no serviço público, possam ainda buscar a alternativa de uma previdência privada complementar.

Aluízio Alves, 81, advogado, foi redator da "Tribuna da Imprensa", governador do Estado do Rio Grande do Norte, pelo MDB (1961-1966), e ministro da Administração (governo José Sarney) e da Integração Regional (governo Itamar Franco).


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