São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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DEZ ANOS

Hoje completam-se dez anos do lançamento do Plano Real, iniciativa que representou o passo decisivo para retirar o país de um quadro prolongado de inflação, depois de diversas tentativas fracassadas. É inegável o engenho com que o plano, por meio da vinculação dos preços e salários à Unidade de Referência de Valor (URV), desmontou a armadilha da indexação generalizada. A promessa de derrubar a inflação a níveis "civilizados" foi cumprida, no que se constituiu em importante marco na história da economia brasileira. Outras promessas, no entanto, que acompanharam a estabilização monetária, se frustraram.
Domar a inflação não foi suficiente para promover o crescimento sustentado, tampouco para reduzir de maneira expressiva e duradoura a concentração da renda. E, ironicamente, o fator que era apontado pelos criadores do Real como a principal causa do processo inflacionário -o desequilíbrio das finanças públicas- acabou por agravar-se.
Esses problemas podem ser atribuídos em grande medida ao uso político que foi feito da vitória sobre a superinflação. Em particular, a excessiva valorização da nova moeda em relação ao dólar cumpriu papel importante no momento inicial de redução drástica do ritmo de alta dos preços, mas acabou sendo mantida por tempo demasiado.
O real exageradamente "forte" trouxe como conseqüência, perfeitamente previsível, a acentuada fragilização das contas externas, expressa sobretudo na incorrência em volumoso déficit em transações correntes. Isso gerou a necessidade imperiosa de atrair grandes volumes de capitais externos para preservar o nível das reservas do Banco Central, o que tornou a economia extremamente sensível aos impactos das crises financeiras internacionais da segunda metade da década de 1990 e início do novo século.
A debilidade das contas externas foi o fator decisivo para criar uma rígida resistência à redução da taxa de juros básica, que se manteve altíssima, em termos reais, por um período prolongado, exercendo forte pressão sobre os agentes endividados, com destaque para o setor público. Ao lado disso, à medida que se generalizava a percepção de que manter o real valorizado já não seria mais viável, o Estado passou a oferecer ao setor privado mecanismos de seguro contra potenciais prejuízos advindos de uma desvalorização.
Essa oferta de "hedge", realizada por meio da venda de títulos públicos com correção cambial, em conjunto com o aumento do endividamento externo do próprio setor público (sobretudo com o FMI), permitiu adiar o primeiro grande ajuste da taxa de câmbio até depois das eleições de 1998. O custo, no entanto, foi alto: tendo concentrado os riscos associados à defesa do real forte, o setor público viu sua dívida elevar-se abruptamente quando a desvalorização sobreveio, no início de 1999.
Os efeitos colaterais da insistência no real sobrevalorizado não se esgotaram aí. A transição para o câmbio flutuante permitiu reduzir a taxa de juros básica para cerca de metade do nível real em que se situara nos quatro anos anteriores, mas o patamar permaneceu muito alto. Assim, para conter a expansão da dívida pública, impôs-se um esforço de contenção de gastos e aumento de receitas. Uma das faces perversas desse processo foi a contínua elevação da carga tributária -que subiu seis pontos percentuais do PIB entre 1998 e 2003.
Nesse contexto de juros e carga tributária elevados, a economia mostrou baixo dinamismo, com crescimento médio em torno de 2% ao ano e desemprego crescente. Desarmar essa situação, ou seja, combater a vulnerabilidade externa, reduzir juros, promover o crescimento sustentado, recuperar o emprego e distribuir renda são os grandes desafios que ainda se apresentam ao país.


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