São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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JULGAR SADDAM

Qualquer pessoa dotada de senso moral regozija-se em ver Saddam Hussein prestes a ser julgado por seus crimes, que não foram poucos nem pequenos. A respeitada organização de direitos humanos Human Rights Watch calcula em 290 mil o número de iraquianos assassinados sob seu governo. Não estão aí incluídas as centenas de milhares que morreram em conseqüência de guerras iniciadas pelo ex-ditador.
Essas considerações não bastam para justificar a entrega de Saddam aos iraquianos. Situações de troca de regime demandam cuidados especiais que recomendariam o julgamento por um tribunal internacional sob os auspícios das Nações Unidas. Ainda que isso signifique a perda de uma oportunidade para que os iraquianos testem suas instituições, os direitos do réu devem prevalecer.
Ninguém duvida de que Saddam será condenado, pois ele de fato cometeu, se não todos, ao menos muitos dos crimes de que é acusado. Ainda assim, ele tem direito a um juízo justo, o que parece ser praticamente impossível no Iraque hoje.
Como é natural após quedas de ditaduras, as instituições do Iraque, incluindo o Judiciário, ainda carecem de organização e são agora ocupadas por pessoas que não faziam parte do regime anterior -mais do que isso, os principais cargos estão nas mãos de antigos perseguidos políticos. Como inimigos pessoais de Saddam, falta-lhes isenção para presidir a um julgamento imparcial.
De resto, o juízo iraquiano serve demasiadamente aos interesses de Washington. Pelas poucas informações disponíveis, no Iraque, Saddam não terá uma tribuna tão livre como teria numa corte internacional, o que de algum modo limita sua defesa. O ditador é acusado, por exemplo, de crimes de guerra cometidos ao longo do conflito contra o Irã (1980-88). Nesse período, ele era armado e apoiado pelos EUA, algo que possivelmente não interessa ao presidente George W. Bush rememorar.
Outro ponto a considerar é que Saddam poderá ser condenado à morte no Iraque, pena que não existe em tribunais da ONU. Esta Folha, contrária à punição capital, defende soluções que não levem à execução.
Até para o governo iraquiano seria um fator de instabilidade a menos que o ex-ditador passasse o resto de seus dias numa prisão fora do país. Certo é que a necessidade de julgar grandes criminosos não pode confundir-se com a simples vingança.


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