|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JULGAR SADDAM
Qualquer pessoa dotada de
senso moral regozija-se em ver
Saddam Hussein prestes a ser julgado por seus crimes, que não foram
poucos nem pequenos. A respeitada
organização de direitos humanos
Human Rights Watch calcula em 290
mil o número de iraquianos assassinados sob seu governo. Não estão aí
incluídas as centenas de milhares
que morreram em conseqüência de
guerras iniciadas pelo ex-ditador.
Essas considerações não bastam
para justificar a entrega de Saddam
aos iraquianos. Situações de troca de
regime demandam cuidados especiais que recomendariam o julgamento por um tribunal internacional
sob os auspícios das Nações Unidas.
Ainda que isso signifique a perda de
uma oportunidade para que os iraquianos testem suas instituições, os
direitos do réu devem prevalecer.
Ninguém duvida de que Saddam
será condenado, pois ele de fato cometeu, se não todos, ao menos muitos dos crimes de que é acusado. Ainda assim, ele tem direito a um juízo
justo, o que parece ser praticamente
impossível no Iraque hoje.
Como é natural após quedas de ditaduras, as instituições do Iraque, incluindo o Judiciário, ainda carecem
de organização e são agora ocupadas
por pessoas que não faziam parte do
regime anterior -mais do que isso,
os principais cargos estão nas mãos
de antigos perseguidos políticos.
Como inimigos pessoais de Saddam, falta-lhes isenção para presidir
a um julgamento imparcial.
De resto, o juízo iraquiano serve demasiadamente aos interesses de
Washington. Pelas poucas informações disponíveis, no Iraque, Saddam
não terá uma tribuna tão livre como
teria numa corte internacional, o que
de algum modo limita sua defesa. O
ditador é acusado, por exemplo, de
crimes de guerra cometidos ao longo
do conflito contra o Irã (1980-88).
Nesse período, ele era armado e
apoiado pelos EUA, algo que possivelmente não interessa ao presidente
George W. Bush rememorar.
Outro ponto a considerar é que
Saddam poderá ser condenado à
morte no Iraque, pena que não existe
em tribunais da ONU. Esta Folha,
contrária à punição capital, defende
soluções que não levem à execução.
Até para o governo iraquiano seria
um fator de instabilidade a menos
que o ex-ditador passasse o resto de
seus dias numa prisão fora do país.
Certo é que a necessidade de julgar
grandes criminosos não pode confundir-se com a simples vingança.
Texto Anterior: Editoriais: DEZ ANOS Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Amendoim torradinho Índice
|