São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO


FMI de novo. Não por culpa do mundo

Fez muito bem o senhor presidente da República autorizando a equipe econômica a negociar um novo acordo com o FMI. Ele poderá propiciar uma "blindagem" para as esperadas turbulências dos próximos 16 meses. Todos sabemos o que o Fundo exigirá: um pouco mais do mesmo que exigiu até agora (e que cumprimos). Na sua essência, trata-se de gerar um superávit primário que acomode o pagamento aos credores e, ao mesmo tempo, lhes dê relativa tranquilidade sobre nossa capacidade de continuar a honrar os compromissos internos e externos.
Na inauguração de uma nova turbina na usina de Ilha Solteira, o senhor presidente aquietou a nação afirmando que ele (que aumentou a carga tributária bruta de 27% para 33% do PIB e propôs a prorrogação da CPMF com a alíquota de 0,38% sem isentar as operações do mercado de capitais) não pedirá jamais um novo aumento de impostos. O que se vai fazer, portanto, é cortar um pouco mais as despesas para atingir um superávit primário de 3,5% do PIB em 2001. Isso, infelizmente, precisa mesmo ser feito. Com o registro no cartório do FMI e o seu aval, entretanto, a medida adquire visibilidade internacional e terá mais credibilidade.
Não adianta tentar sugerir que "somos vítimas da crise internacional". Somos, como a Argentina, vítimas da nossa própria miopia política: destruímos nosso setor exportador, concentramo-nos no Mercosul -mais diversão de comércio do que aumento- e confiamos na miragem de que o câmbio fixo aumentaria a produtividade da economia. Abusamos das facilidades para financiar o déficit em conta corrente. Com o apoio do FMI, arranjamos em 1998 uma blindagem de US$ 40 bilhões (para pagar aos credores) e insistimos no câmbio fixo, mas a pressão do mercado livrou o Brasil do pior em janeiro de 1999.
As duas proposições -que o mercado não distingue o Brasil da Argentina e que nossa volatilidade não é resultado da "crise internacional"-têm uma prova impressionística no gráfico abaixo:

Vemos que o início da atual volatilidade se deu na segunda quinzena de fevereiro, quando o "spread" brasileiro ficou menor do que o argentino, mas continuou mantendo alta correlação positiva com ele. As "testemunhas" são México, Chile e Coréia, que flutuaram, mas mantiveram uma correlação negativa com os "spreads" Brasil-Argentina. Quando o "spread" Brasil-Argentina sobe (devido à oferta apressada de seus papéis), os "spreads" México-Chile-Coréia tendem a cair (aumenta a demanda de seus papéis), refletindo a mudança do portfólio dos investidores internacionais. Os "spreads" do México, do Chile e da Coréia mantêm forte correlação positiva. Eles, sim, parecem resultado das flutuações do mercado financeiro mundial, pelo menos ao longo de 2001.
Não há dúvida de que pedir a continuidade da auditoria do FMI é uma medida elementar de precaução, e receber uma nova "blindagem" poderá ser uma medida transcendente de salvação...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
e-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Bola de cristal
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.