São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2001

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De Thomas Paine a Tony Blair

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


Todos têm o direito de participar da riqueza da nação, recebendo uma renda garantida como um direito à cidadania


Em abril , pouco antes das eleições em que o Partido Trabalhista sagrou-se vitorioso, o premiê do Reino Unido, Tony Blair, anunciou um novo programa: o Fundo da Criança. O fundo propiciará aos nascidos a partir de 2003 o direito a um capital básico equivalente a pelo menos 250 libras esterlinas. Se a criança for de família pobre, o capital será de 500 libras. Quando completar 5, 11 e 16 anos, a pessoa ainda receberá do governo quantias de 50 a 100 libras na sua poupança.
Tanto a quantia inicial quanto essas passam a render juros. Ao completar 18 anos, a pessoa teria à disposição um patrimônio de, ao menos, 5.000 libras.
Essa proposição está relacionada ao direito incondicional de todas as pessoas de participar da riqueza da nação, por meio de uma renda mínima. Em 1999 os professores de direito da Universidade de Yale, nos EUA, Bruce Ackerman e Anne Alstott propuseram, em "The Stakeholder Society", que todo cidadão residente nos EUA passasse a ter o direito inalienável a um capital básico de US$ 80 mil ao completar 18 anos.
Em sua palestra, durante o 8º Congresso Internacional da Renda Básica, realizado em Berlim, em outubro último, Bruce Ackerman argumentou que o melhor seria uma combinação dos conceitos de renda básica e de capital básico aos residentes de cada nação.
A proposição recém-anunciada por Tony Blair foi na verdade formulada em 1795 por seu conterrâneo Thomas Paine, em "Justiça Agrária", dirigida ao Diretório e à Assembléia Nacional da França. Depois de ter escrito "Senso Comum" e outros importantes textos que contribuíram para formar a consciência dos norte-americanos para lutar pela independência, Paine voltou à Inglaterra, onde teve seus livros queimados por haver colaborado para a perda da principal colônia britânica. Decidiu então ir para a França, onde se juntou à luta por igualdade, liberdade e fraternidade.
Após a Revolução Francesa, embora estrangeiro, foi eleito constituinte. Então escreveu "Justiça Agrária", texto que tem exercido crescente influência no pensamento econômico mundial, como prova o anúncio de Blair -o premiê usou como uma de suas fontes o livro de Ackerman e Alstott, que se baseiam, entre outros, em Paine.
Era proposição de Thomas Paine que todos que cultivassem a terra e nela fizessem benfeitorias pudessem usufruir do produto de seu trabalho. Mas essa pessoa deveria destinar uma parcela de seus rendimentos a um fundo que a todos pertenceria. Desse fundo, uma vez acumulado, todos os residentes naquela nação receberiam um dividendo de 15 libras -hoje equivalentes a 1.500 libras-, ao completarem 21 anos. E, ao completarem 50 anos, a cada ano as pessoas receberiam um dividendo anual de 10 libras -hoje equivalentes a 1.000 libras.
Seria uma retribuição ao direito que lhe fora retirado quando instituída a propriedade privada naquele país, tendo em conta que originalmente a propriedade era comum a todos. Para Paine, aquela proposta deveria ser instituída em todas as nações.
Quando da visita do ex-presidente dos EUA Bill Clinton ao Brasil, alguns jornalistas ficaram intrigados comigo por eu ter dialogado com ele sobre o tema. Acontece que eu estava lhe perguntando sobre Bruce Ackerman, o qual foi seu advogado durante o processo de impeachment. Por ter sido vitorioso e nada tendo pago pelo trabalho jurídico, o presidente perguntou ao professor de Yale como poderia lhe retribuir. Quem sabe ele se interessaria em ser embaixador? Ackerman recusou, mas sugeriu que ele lesse seu livro e opinasse.
Clinton leu "The Stakeholder Society" e disse a Ackerman que suas idéias eram ousadas demais, não podendo, como presidente, atender a seu pedido. Aqui, em São Paulo, mais uma vez ele perdeu a oportunidade de expressar a sua opinião publicamente, quando lhe perguntei sobre o que achava das proposições de James Tobin -desde os anos 60 um ardoroso defensor da renda básica- e Ackerman. Para mim, pessoalmente, o presidente observou que Tobin, embora mais velho, parece sempre o jovem de brilhantes idéias que colaborou com ele desde o primeiro governo.
Disse ainda que é amigo de Ackerman e que irá convidá-lo a visitar as três áreas mais pobres dos EUA, para convidar o professor a formular idéias sobre como resolver os problemas.
A melhor idéia já está bem formulada, desde 1795, por Paine: todos têm o direito inalienável de participar da riqueza da nação, recebendo uma renda garantida como um direito à cidadania.


Eduardo Matarazzo Suplicy, 60, é senador (PT-SP), doutor em economia pela Universidade de Michigan(EUA) e professor da FGV-SP.



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