São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2001

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Oportunismo e despreparo

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE


Nomeado ministro da Fazenda, Ciro Gomes cometeu erros crassos contra a economia e o sistema produtivo


O cidadão mediano, aquele que, como eu ou você, caro leitor, tem mais informação do que poder, mais desejo de contribuir para o bem público do que recursos para realizá-lo, mais esperança no futuro do que rancor pelo passado, mais interesse na estabilidade política e econômica do que ressentimento e desejo de ver o circo pegar fogo, encontra-se desorientado. Somos bombardeados por diagnósticos basicamente corretos e prognósticos interesseiramente catastróficos.
O diagnóstico correto é o de que um quadro sucessório confuso e pulverizado, com uma profusão de candidatos à esquerda e a divisão do centro e da direita, facilitaria a vitória de um candidato com pouca ou nenhuma base para governar. O prognóstico errado é o de que as dificuldades domésticas e externas enfrentadas pelo governo e que aumentam o custo da escolha de um candidato consensual e competitivo tornam impossível preservar a atual coalizão governamental. E isso limitaria a escolha eleitoral a um despreparado, um desvairado ou um aventureiro.
De fato tem crescido muito a frequência com que homens e mulheres de bem discutem quem seria, num eventual segundo turno sem candidato governista, aquele capaz de causar maiores danos ao país -para votar no outro, por mais insatisfatório que seja.
O prognóstico é errado, porque a probabilidade de um candidato governista tão pouco competitivo a ponto de não chegar ao segundo turno, embora não nula, só poderia resultar de um suicídio deliberado, o que deveríamos descartar como sendo incompatível com o instinto de sobrevivência de todo governo. Mas o exercício não é inútil, pois se despreparo, desvario e "aventureirismo" já nos custaram muito, o que dizer dos três combinados numa só pessoa? O que menos precisamos é de um novo Collor. E é isso o que nos oferece Ciro Gomes.
A aventura política em primeiro lugar: o despreparo para governar uma economia complexa como a do Brasil, a ausência de uma base partidária minimamente consistente e sólida, a falta de princípios programáticos e a obscuridade dos objetivos políticos. Nomeado ministro da Fazenda de Itamar, em 1994, Ciro cometeu erros crassos contra a economia e o sistema produtivo cujos efeitos ainda perduram e que ele atribui ao atual governo. Na época, há quase seis anos, o então ministro aconselhava: "Esqueçam o câmbio". Falava justamente para empresários que sofriam com a sobrevalorização do real.
Não se contentando em perpetuar o erro cambial, mandou os juros para a estratosfera, deixando o governo, em dezembro de 94, com a taxa Selic de 3,58% ao mês, quase o dobro da atual, apesar da desvalorização do real e de toda a crise argentina. Até setembro de 94, o Brasil acumulara no ano um superávit nas contas externas de US$ 3,4 bilhões. Em três meses, Ciro inverteu o fluxo e provocou um déficit de US$ 5 bilhões.
Como conseguiu esse brilhante desempenho? Entre muitas coisas, sobrevalorizou a moeda em relação ao dólar, tornando as exportações menos competitivas e as importações mais baratas; promoveu um rebaixamento abrupto e linear de tarifas de importação, inclusive para automóveis; e teve a idéia genial de isentar de impostos as importações via Correio. Em pouco tempo havia tanta mercadoria importada nos aeroportos que os carteiros entraram em greve. Enquanto isso, o então chefe da equipe econômica pontificava: "Redução de alíquotas de importação: tão importante quanto usar camisinha". Deus nos preserve de tanto despreparo.
Outro aspecto ainda mais danoso do aventureirismo político de Ciro Gomes se evidenciou em seu empenho em obter a adesão do PSDB ao governo Collor, em 1992. Não o tendo conseguido, agora se empenha em negar sua luta pela adesão, afirmando que ajudou a evitá-la. Essa mitomania -mais um traço que o aproxima do aventureiro das Alagoas- evidencia-se até em episódios menores, como o fato de insinuar à imprensa que foi dar aulas em Harvard, quando foi a Boston aprender inglês. Ou na mania de inverter os sinais: ele, que colaborou com a ditadura militar, acusa Fernando Henrique, que dela foi vítima, detido e conduzido encapuzado às dependências da famigerada Oban.
Esse traço foi às raias do desvario quando, à frente do Ministério da Fazenda, chegou a dizer que os consumidores, isto é, todos nós, éramos "otários" e os empresários, "canalhas, imbecis e pilantras". Na época, análises na imprensa constataram que ele era "inoportuno, grosseiro e trapalhão" ("Veja", 16/11/94), que ele "cria vilões" e posa de "salvador do real" ("Exame", 23/11/94), e que, "perto dele, Fernando Collor é uma freira e Jânio Quadros uma donzela" (Folha, 30/12/94).
Hoje ele abre os braços para o PTB dos deputados José Carlos Martinez e Roberto Jefferson, expoentes das falanges colloridas, e do ex-governador Luiz Antonio Fleury, sobre quem, no passado, Ciro despejou seus piores adjetivos -o que não é pouco dizer!
Para coroar o círculo do despreparo, do desvario e do aventureirismo, Ciro resolveu se defender das barbaridades econômicas que cometeu e hoje atribui ao atual governo, alegando, como em recente palestra para empresários, que "cumpria ordens", a velha alegação feita pelos réus no tribunal de Nuremberg. Ou seja, para se defender de estar no lugar que lhe parecia certo, fazendo o que hoje diz estar errado, prefere confessar que não sabia o que estava fazendo.
Que julgue o leitor: será pior assumir o Ministério da Fazenda sem saber o que faz ou fazer o que lhe mandam de caso pensado, sabendo ser o pior e por puro oportunismo? Entre o despreparo, o desvario e o aventureirismo, responda comigo: nenhuma das opções acima.


José Augusto Guilhon Albuquerque, 61, é professor titular de relações internacionais da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.



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