São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Mais que duas torres

MADRI - Os atentados de 11 de Setembro mudaram a mentalidade norte-americana de uma maneira ainda não totalmente avaliada.
A mais recente evidência foi dada na convenção democrata que formalizou a candidatura de John Kerry. Ele abriu a sua participação no show final afirmando que estava "reporting for duty", apresentando-se para cumprir o dever, uma expressão tipicamente militar.
No caso específico, o dever de ser comandante-em-chefe, como cabe ao presidente da República.
À primeira vista nada de errado com esse tipo de apresentação. O problema é que ser comandante-em-chefe deveria ser o acessório, não o essencial. O essencial deveria ser a Presidência e todos os demais deveres que ela carrega.
Mas, em um país ainda traumatizado pelo 11 de Setembro e todos os seus desdobramentos, bater continência e ser um guerreiro é, talvez, central para ganhar a eleição.
É verdade que Kerry, na continuação do show, pôs toda a ênfase em devolver a credibilidade à Casa Branca, seriamente afetada (mais no exterior do que nos próprios EUA) pelas mentiras pós-11 de Setembro e pelas turvas relações econômicas com empresas que estão ganhando muito dinheiro com a reconstrução do Iraque que a Casa Branca de Bush destruiu.
Aí, sim, é o presidente falando, não o comandante-em-chefe. Mas colou pouco. O jornal "The Washington Post" publicou ontem resultados de uma pesquisa qualitativa que mostra que o discurso de Kerry agradou, mas não o suficiente para conquistar o voto dos pesquisados.
O que devolve a questão ao terreno militar: em outros tempos, um governo norte-americano que tivesse mentido tanto e tergiversado tanto teria desabado rapidamente (prova-o o caso Richard Nixon/Watergate). Agora, no entanto, Bush continua colado em Kerry.
Tudo somado, parece que ruíram muito mais que duas torres.



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