São Paulo, sexta-feira, 01 de setembro de 2000

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JOSÉ SARNEY

Fusarium e guerra com camisinha

Em maio de 1985, acossados, mais de cem guerrilheiros colombianos invadiram São Gabriel da Cachoeira. Eu havia assumido a Presidência da República. Foi um alerta da vulnerabilidade do Brasil com a instabilidade interna dos seus vizinhos. O nosso perigo não estava mais nas fronteiras do sul, com as hipóteses de guerra de nossas escolas militares, e sim na fronteira norte, com a guerrilha, àquele tempo aguda, na Colômbia, no Peru, no Suriname, na Nicarágua e na Guatemala. Perseguidos, rebeldes e narcotraficantes procuram refúgio nas regiões vazias da Amazônia brasileira. É imperativo de soberania repeli-los. A situação se complica, hoje, com o anunciado Plano Colômbia, sob a liderança dos Estados Unidos.
O Brasil descuidou daquela região, ainda abandonada; uma fronteira seca de 1.800 quilômetros, sem marcos aviventados, rarefeitas populações de índios aculturados, sem presença efetiva do Estado nacional.
Nosso urgente dever é o de transformar aquelas fronteiras mortas em fronteiras vivas. Com soberania territorial não se brinca.
O Projeto Calha Norte levou àquelas populações assistência e a construção de uma sequência de pequenos batalhões ao longo da fronteira. Visitei a região muitas vezes, para dar-lhe apoio e força. Infelizmente, a demagogia e a falta de visão estratégica da elite brasileira combateram o projeto. A retórica sobre a Amazônia sempre foi grande e vazia, mas, durante estes 500 anos, o único projeto de dimensão que ali existe é a Zona Franca de Manaus, que é mais do centro-sul do que da Amazônia.
Agora, surgiu o nó do Plano Colômbia, que coloca os americanos, militarmente, na Amazônia, começo de sua internacionalização. Eles já têm um plano de ajuda militar à Guiana e uma rede de monitoramento que vem desde o Panamá.
Outro aspecto grave é a ameaça da guerra biológica com pulverização da região com o fungo, de nome estranho e feio -Fusarium orysporum- para matar as árvores de coca. Ninguém pode avaliar quais as consequências dessa arma sobre a fauna, a flora, as águas e o que pode ocorrer ao longo dos séculos se esse organismo se disseminar nessa imensa região e alterar o ecossistema amazônico.
As drogas são uma desgraça para a humanidade. Devemos combatê-las com toda a energia. Mas elas não podem criminosamente ser utilizadas para drogar a natureza, drogando a Amazônia.
Nossa obrigação é dar meios às Forças Armadas do Brasil para defender nossa soberania. Clinton já avisou que a guerra pode nos alcançar e, generosamente, está disposto a nos ajudar. Isso não nos conforta nem nos tranquiliza. É a nova maneira de intervenção, uma guerra sem risco, como chamam, uma espécie de guerra com camisinha. Eles fornecem os meios, o comando, os materiais e a estratégia, e nós, o pescoço, ou melhor, o risco.
A Cúpula da América do Sul, convocada pelo nosso presidente em boa hora, tem um "timing" preciso: é hora de discutir o assunto da Colômbia e dizer com franqueza que não nos agrada a militarização da Amazônia e o combate às drogas não pode ser o cavalo-de-tróia do continente.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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