|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Fusarium e guerra com camisinha
Em maio de 1985, acossados, mais
de cem guerrilheiros colombianos
invadiram São Gabriel da Cachoeira.
Eu havia assumido a Presidência da
República. Foi um alerta da vulnerabilidade do Brasil com a instabilidade
interna dos seus vizinhos. O nosso perigo não estava mais nas fronteiras do
sul, com as hipóteses de guerra de
nossas escolas militares, e sim na fronteira norte, com a guerrilha, àquele
tempo aguda, na Colômbia, no Peru,
no Suriname, na Nicarágua e na Guatemala. Perseguidos, rebeldes e narcotraficantes procuram refúgio nas regiões vazias da Amazônia brasileira. É
imperativo de soberania repeli-los. A
situação se complica, hoje, com o
anunciado Plano Colômbia, sob a liderança dos Estados Unidos.
O Brasil descuidou daquela região,
ainda abandonada; uma fronteira seca
de 1.800 quilômetros, sem marcos aviventados, rarefeitas populações de índios aculturados, sem presença efetiva
do Estado nacional.
Nosso urgente dever é o de transformar aquelas fronteiras mortas em
fronteiras vivas. Com soberania territorial não se brinca.
O Projeto Calha Norte levou àquelas
populações assistência e a construção
de uma sequência de pequenos batalhões ao longo da fronteira. Visitei a
região muitas vezes, para dar-lhe
apoio e força. Infelizmente, a demagogia e a falta de visão estratégica da elite
brasileira combateram o projeto. A retórica sobre a Amazônia sempre foi
grande e vazia, mas, durante estes 500
anos, o único projeto de dimensão
que ali existe é a Zona Franca de Manaus, que é mais do centro-sul do que
da Amazônia.
Agora, surgiu o nó do Plano Colômbia, que coloca os americanos, militarmente, na Amazônia, começo de sua
internacionalização. Eles já têm um
plano de ajuda militar à Guiana e uma
rede de monitoramento que vem desde o Panamá.
Outro aspecto grave é a ameaça da
guerra biológica com pulverização da
região com o fungo, de nome estranho
e feio -Fusarium orysporum- para
matar as árvores de coca. Ninguém
pode avaliar quais as consequências
dessa arma sobre a fauna, a flora, as
águas e o que pode ocorrer ao longo
dos séculos se esse organismo se disseminar nessa imensa região e alterar
o ecossistema amazônico.
As drogas são uma desgraça para a
humanidade. Devemos combatê-las
com toda a energia. Mas elas não podem criminosamente ser utilizadas
para drogar a natureza, drogando a
Amazônia.
Nossa obrigação é dar meios às Forças Armadas do Brasil para defender
nossa soberania. Clinton já avisou
que a guerra pode nos alcançar e, generosamente, está disposto a nos ajudar. Isso não nos conforta nem nos
tranquiliza. É a nova maneira de intervenção, uma guerra sem risco, como chamam, uma espécie de guerra
com camisinha. Eles fornecem os
meios, o comando, os materiais e a estratégia, e nós, o pescoço, ou melhor,
o risco.
A Cúpula da América do Sul, convocada pelo nosso presidente em boa
hora, tem um "timing" preciso: é hora
de discutir o assunto da Colômbia e
dizer com franqueza que não nos
agrada a militarização da Amazônia e
o combate às drogas não pode ser o
cavalo-de-tróia do continente.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Gabriela Wolthers: O alvo errado Próximo Texto: Frases
Índice
|