São Paulo, sexta-feira, 01 de setembro de 2000

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A luta contra o tabagismo


Após fumar por 20 anos, 1 em cada 4 tabagistas morre prematuramente; depois de 40 anos de fumante, 1 em cada 2


JOSÉ ROSEMBERG

Muito oportunos e esclarecedores são os editoriais da Folha "Preço alto" e "Indefensável" (4/8 e 11/8, respectivamente) ressaltando os perigos da epidemia tabagística e a necessidade de leis proibindo a propaganda dos cigarros. Isso com fundadas críticas aos que se opõem às medidas de combate ao tabagismo.
A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) continua com sua campanha contra a aprovação do projeto de lei do Ministério da Saúde que proíbe a propaganda de cigarros no rádio e na TV. Houve um parecer contrário ao projeto na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. Essas e outras posições na mesma linha denotam, para dizer o mínimo, completo desconhecimento sobre as dezenas de milhares de comprovações científicas de destruição de saúde e encurtamento de vida provocados pela inalação da nicotina e das mais de 4.800 substâncias tóxicas contidas no tabaco.
O editorial da Folha reporta-se às pesquisas indicando que haverá 1 bilhão de mortes no século 21 em decorrência do tabagismo se o consumo de tabaco se mantiver nos índices atuais. É de interesse aduzir que ocorrem anualmente 4 milhões de óbitos prematuros entre os fumantes, sendo 2,5 milhões nos países desenvolvidos e 1,5 milhão nos que estão em desenvolvimento. A epidemia tabágica está se deslocando dos primeiros para os segundos. Se não se modificarem os atuais padrões de consumo de cigarros, o número de mortes no decênio de 2030 ascenderá a 100 milhões, dos quais 70 milhões no mundo em desenvolvimento, agravando mais ainda o quadro, porque nesses países -o Brasil incluído- ainda não foram dominadas as doenças infecciosas transmissíveis, as parasitárias e as por má nutrição.
Após 20 anos de fumante, 1 em cada 4 tabagistas morre prematuramente. Depois de 40 anos, 1 em cada 2. Nos anos 90, nos países desenvolvidos, os óbitos em razão do consumo de cigarros constituíram 35% da mortalidade geral na faixa dos 35 aos 69 anos de idade, com perda média de 22 anos de esperança de vida. Há evidência maciça de que os fumantes têm maior risco de adoecer e morrer por cerca de 50 doenças.
Diante da extrema nocividade do tabagismo, todos os órgãos internacionais de saúde -com a Organização Mundial da Saúde à frente- e instituições médico-científicas de todos os países tomaram posição de combate contra o tabaco. Existem no mundo em torno de 1,2 bilhão de fumantes e estima-se cerca de 2 bilhões de não-fumantes (700 milhões de crianças) que, de alguma forma, vivem expostos continuamente à poluição tabágica ambiental (fumantes passivos). Cerca de metade da humanidade se expõe direta e indiretamente aos efeitos nocivos do tabaco, constituindo essa, portanto, a maior causa isolada e evitável de morbidade e morte.
Desde 1970 as Assembléias Mundiais de Saúde aprovaram, por unanimidade, mais de 20 resoluções antitabágicas (o Brasil é signatário). A Organização Mundial da Saúde, com documentos, relatórios e recomendações, vem se empenhando num programa global de controle da epidemia tabágica, mas não tem condições de lutar sozinha. Ela só catalisa o desenvolvimento de políticas antitabágicas dos países-membros. Em consequência, criou a Coalização de Controle do Tabagismo dos Países para uma ação global por meio de uma convenção aprovada e recomendada pela Assembléia Mundial de Saúde -à qual já se integram 191 países (inclusive o Brasil, que nomeou uma representação de alto nível) e mais de 200 ONGs.
Mais de 20 medidas fundamentais de atuação já foram demarcadas para implantação nos países-membros. Entre elas, consta a promulgação de legislação antitabagística contendo a proibição total da propaganda direta dos produtos do tabaco em todos os meios de comunicação. Um estudo em 102 países, feito pelo Bureau Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA, constatou que as proibições parciais são inefetivas para reduzir o consumo do cigarro. O projeto de lei do Ministério da Saúde abolindo a propaganda de cigarros está dentro da programação da convenção. Uma vez aprovado, colocará o Brasil no contexto mundial de luta contra uma das mais graves epidemias que assolam a humanidade.
Pelo exposto, constata-se que a oposição à referida legislação é anticientífica, anti-social e retrógrada, por ser contrária à saúde da população, atendendo somente às conveniências e interesses das multinacionais de cigarros e dos que se ocupam de sua comercialização e propaganda .
Está comprovado que o tabaco é um produto que mata os que o consomem, como recomenda a propaganda.
Nenhum argumento, inclusive o da liberdade de anunciar produtos do tabaco, pode se superpor à soberana salvaguarda da saúde pública. Todas as medidas para preservar a saúde da população são legítimas; no caso, a proibição da propaganda de cigarros.
A saúde pública paira acima de quaisquer interesses.


José Rosemberg, 84, médico, é presidente do Comitê Coordenador do Controle do Tabagismo no Brasil, membro da Câmara Técnica do Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde e presidente da Comissão Estadual de Prevenção e Controle do Tabagismo da Secretaria de Estado da Saúde.


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