São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Olho neles...

Na ata da 99ª reunião do Copom, que registra o encontro do Conselho de Política Monetária realizado nos dias 17 e 18 de agosto, os já famosos "falcões-cientistas" do Banco Central se superaram! Afirmando que sua missão sagrada é cumprir a meta inflacionária estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, ameaçam claramente a sociedade com um possível aumento da taxa básica Selic se ocorrerem:
1. ou uma alta -não só mais intensa, mas também mais persistente- do petróleo, que produziria, "na ausência de um reposicionamento da política monetária", efeitos inflacionários de segunda ordem, incompatíveis com o compromisso inerente ao sistema de metas de inflação, e/ou 2. se, por conta das próprias perspectivas do preço do petróleo, a expectativa para a taxa de inflação de 2005 (influenciada pelas ameaças do próprio Banco Central) mover-se do ponto em que está estacionária há algum tempo (5,5%).
Assustados com as conseqüências de um possível aumento da taxa Selic, tentam anestesiar a sociedade afirmando que, mesmo que o "cenário inflacionário venha a requerer um ajuste da taxa de juro básica, é importante reiterar que isso não acarretará prejuízos ao processo de crescimento sustentado da economia brasileira". Segue-se o rocambole já conhecido de todas as atas sobre as virtudes da política monetária... O mais grave é que o Banco Central pensa que teve qualquer coisa a ver com a recente expansão da economia, quando a sua irrelevância para o processo salta aos olhos depois de ter perdido várias oportunidades para baixar os juros.
O problema do petróleo é puro "terrorismo": seu aumento terá pequena influência sobre a taxa de inflação. Mas é para isso que existem as "salvaguardas" do sistema de metas: violadas por um choque de oferta, o Banco Central deve explicar-se por escrito ao ministro da Fazenda, e ele (que fixou a meta!) pode aceitar ou não as desculpas. Nos EUA, o FED está ajustando a taxa de juro real americana (hoje negativa!) para atingir o nível que sustentará a economia funcionando a plena carga sem tensões inflacionárias, isto é, ele não objetiva cortar a demanda. No Brasil, ao contrário, o Banco Central quer elevar a taxa de juro real (de 10% ao ano, a maior do universo inteligente) e afirma "que não vai cortar a demanda"! O mais grave, e o que ele não revela, é que isso cortará também o investimento, reduzindo o crescimento do produto potencial, conservando a economia brasileira na mesma armadilha...
Até as esquinas que fazem falta a Brasília sabem que as metas foram estabelecidas em níveis muito ambiciosos quando se considera o resíduo de indexação ainda embutido no IPCA. Para 2004, por exemplo, os preços administrados representam cerca de 29% do IPCA. Como é óbvio, eles não respondem a nenhuma restrição de demanda produzida pela variação da taxa de juros real. Estima-se que eles possam subir (com qualquer taxa de juro real) 8,3%, o que significa que somarão ao IPCA 2,4%.
Não é possível aceitar que, para "salvar sua credibilidade", o Banco Central (que nunca atingiu rigorosamente a meta, o que aliás não tem importância) repita o seu papel de inibidor do "espírito de desenvolvimento", como já fez em dezembro, o que teve muita importância. O maior agente da deterioração das "expectativas inflacionárias" é exatamente a sucessão de atas "terroristas" do Copom. Que tal mantê-las secretas?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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