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MARINA SILVA
Amadurecer pela raiz
NA ÚLTIMA quarta-feira,
quando Joênia Carvalho
Wapichana subiu à tribuna
do Supremo Tribunal Federal para
defender a demarcação contínua
da reserva Raposa/Serra do Sol,
senti um grande orgulho do Brasil.
Pensei no caminho percorrido até
Joênia, primeira advogada índia a
fazer uma defesa oral no Supremo,
assumir simbolicamente o pleno
lugar dos indígenas na nossa
identidade.
Apesar de séculos de erros e de
violência, que quase levaram ao extermínio de nossas populações originais, estamos no rumo certo. Só
faltava assumi-lo de vez, e o relatório consistente, contundente e
bem informado do ministro Carlos
Ayres Britto, um marco na mediação do Estado em questões de terras indígenas, o fez por nós, com
muita grandeza. Depois dele, não
há como não entender as razões
para assegurar aos índios seus territórios originários. Por outro lado,
será difícil argumentar a favor da
pretensão de assimilá-los à força,
para atender a interesses circunstanciais.
Naquela sala podia-se ver o recorte bom de um Brasil democrático, em que as partes de um conflito
de mais de 30 anos submetiam-se à
Justiça para dirimi-lo, em vez de
apelar a desmandos de terra
sem lei.
Não há, por enquanto, vitória de
nenhum dos lados. Ambos devem
se empenhar para evitar um clima
de confronto ou provocações que
tentem instalar o caos com o objetivo de pressionar o julgamento.
Aliás, fazê-las seria um equívoco,
revelador da dificuldade de perceber o patamar de qualidade estabelecido pelo relator, para aquém do
qual ninguém poderá mais recuar.
Seu voto não foi contra uma das
partes, foi em favor de um conceito
de nacionalidade, no qual cabe toda a diversidade de que somos formados e o respeito devido a cada
uma das partes que a compõem.
Saí do STF sentindo-me parte de
um país maduro, mas visto não a
partir da madurez do fruto. É um
amadurecimento pela raiz. A raiz
fincada na terra que alimenta e dá
segurança. Não é à toa que os índios são uma de nossas raízes, assim como não deve ser à toa que
nossa dificuldade para aceitá-los
como parte de nós mesmos se expresse quase sempre em disputas
pela terra.
É um engano pensar que poderemos sobreviver à destruição de
nossas raízes. Basta olhar a triste e
pobre periferia das cidades, retratos da desagregação e da humilhação social e cultural de nossas raízes negras e índias. Os descendentes dos desterritorializados originais. Ainda bem que começamos a
entender que a determinação de
mudar este destino de injustiças
nos faz, a todos, brasileiros melhores e pessoas mais conciliadas com
sua condição humana.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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