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Lula e a imprensa
Embora pareça não entender a função da imprensa crítica na democracia, mandatário sabe que o jornalismo livre incomoda todo governante
Conta-se que o marechal Arthur
da Costa e Silva, diante de interlocutor que lhe explicava a utilidade
de uma imprensa crítica, teria reagido assim: "Eu gosto mesmo é de
elogio". Eram outros tempos; no
final dos anos 1960, o marechal
exercia poder ilimitado e o Brasil
ingressava na pior fase da ditadura militar, da qual conseguiria livrar-se apenas em 1985.
Quase nada há em comum entre Costa e Silva e o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva -um era
militar, o outro, sindicalista;
aquele chegou ao poder pelas armas, este, em eleições democráticas. Frequentes declarações do
atual chefe do Estado, porém, indicam que pensa como o antecessor, faltando-lhe apenas igual sinceridade quando se trata dos incômodos que uma imprensa crítica
acarreta para todo governante.
Quando a conceberam, na passagem do século 18 para o 19, os
teóricos da democracia moderna
sabiam que todo governo tende a
abusar do poder e nele se perpetuar. Sabiam que todo governante
está sujeito a corromper-se. Estipularam, por isso, um sistema de
freios e contrapesos destinado a
conter tais tendências deletérias.
Parte desse sistema está embutido no próprio Estado, por meio
da independência entre os três Poderes e da obrigação de eleições livres e periódicas. Outra parte fica
a cargo da sociedade civil, por
meio da vigilância a ser exercida
por suas associações e pela imprensa sobre os ocupantes temporários do poder público.
Essa tarefa de vigilância e crítica públicas é crucial quando o Estado cai nas mãos de um governo
impopular. É ainda mais crucial,
entretanto, quando se trata de um
governo que desfruta de altos índices de popularidade, sob pena
de a sociedade entregar-se à sua
tutela e os cidadãos se converterem numa massa de cordeiros.
Lula afirma que não precisa da
imprensa para governar (é recíproco, no que se refere à imprensa
independente), mas a insistência
com que volta ao tema, embriagado pelo aplauso dos acólitos, sugere que o jornalismo livre o incomoda cada vez mais.
Não bastam apoios de quase todo o espectro político, não basta a
eleição por aclamação de sua candidata, ele pretende a submissão
de todos a seus caprichos. Vai
continuar esperando.
Alguém poderia argumentar
que falta ao presidente habilitação conceitual para compreender
a função da imprensa, o que é provável. Mas um vídeo gravado pelo
estudante Leandro de Paula durante inauguração de obras na zona norte do Rio, ao documentar
embaraçosas reações de Lula e do
governador Sérgio Cabral sem que
estes soubessem, mostra que não
é bem assim.
Ao ouvir do rapaz que a piscina
pública onde poderia praticar natação estava fechada, Lula adverte o contrariado mandatário fluminense quanto ao custo político
"infinitamente maior" que advirá
quando a imprensa descobrir o fato. Lula sabe muito bem para que
serve o jornalismo crítico: incomodar governantes relapsos e prepotentes, expondo-os ao exame
da opinião pública.
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