São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O dever das oposições

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A eleição de 6 de outubro oferece oportunidade sem precedente para mudar o país, retomando o desenvolvimento com base na redistribuição da renda e na democratização das oportunidades e construindo a independência do Brasil. Não é possível alcançar esse resultado com a eleição do candidato oficial e a continuidade da trama de interesses que se agrupa em torno de sua candidatura. Só é possível atingi-lo com a vitória das oposições.
O dever das oposições diante do quadro que se estabeleceu no país é reunir-se tanto quanto possível, ainda que de última hora, para assegurar ao candidato oposicionista liderante os poucos votos que lhe possam faltar para ganhar a eleição em primeiro turno.
Se fosse o Brasil democracia consolidada, se os aparatos do Estado mais responsáveis pela lisura das eleições, a começar pela Justiça Eleitoral e pela Polícia Federal, tivessem guardado isenção, se os magnatas da mídia não estivessem envolvidos em negócios com os detentores do poder, se não houvesse proliferado nessa campanha a falta de escrúpulo com que se distorceram fatos e se destruíram reputações, se os partidos políticos gozassem da confiança popular e pudessem com autoridade apontar ao eleitorado na eleição de segundo turno seus preferidos e se, por fim, existisse, entre o primeiro turno e o segundo, tempo bastante para neutralizar as violências que se preparam para fazer triunfar o continuísmo e para mexicanizar o Brasil a pretexto de não argentinizá-lo, não haveria por que temer a eleição de 27 de outubro.
Nenhuma dessas condições, entretanto, vigora. Não lutar hoje para evitar o segundo turno seria irresponsabilidade para com a República.
O movimento para reunir as oposições em torno do candidato do PT, além de ajudar a garantir a decisão eleitoral, antecipa o tipo de governo necessário à execução da obra transformadora: um governo das forças progressistas, com a participação dos empresários, que dialogue com todas as vertentes da sociedade brasileira.


Os dois outros candidatos de oposição devem renunciar em favor do candidato do Partido dos Trabalhadores


Há vinte anos, polemizo contra as idéias e as práticas do PT. Há uma semana, reafirmei diretamente ao candidato do PT minha convicção de não ser ele, entre os candidatos de oposição, o melhor agente da alternativa. Minha convicção é irrelevante. O veredicto do país está claramente desenhado. Tratemos de fazê-lo executar. Os dois outros candidatos de oposição devem renunciar em favor do candidato do PT. E os partidos que os apóiam devem exigir que renunciem.
Os compromissos pessoais são elemento indispensável de ordem moral na política. Encontram, porém, limite na subordinação de tais compromissos à responsabilidade para com as tarefas e para com o país. Transposto tal limite, amesquinham os indivíduos e corrompem a vida pública.
A idéia da grandeza é o princípio central da política. A grandeza se manifesta na conjugação da audácia com o sacrifício. Fazer política é se despojar.
A energia desmedida do Brasil é a promessa de seu engrandecimento. Promessa até agora descumprida pela experiência quotidiana da humilhação que sofrem dezenas de milhões de brasileiros. Aproximamo-nos da hora em que poderemos dar combate decisivo a essa perversão de nossa humanidade. Que esse período de engrandecimento nacional seja prefigurado por atos de grandeza de parte dos que atuam na vida pública.
Se faltarem tais atos, que o povo brasileiro -sereno, confiante, sem medo nem rancor- faça, no dia 6 de outubro, justiça a si mesmo.

Roberto Mangabeira Unger é professor titular de direito na Universidade Harvard (EUA) e colunista da Folha.

www.law.harvard.edu/unger



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Ciro Gomes: Entre Papai Noel e Maricota, o povo

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.