São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sabotagem, sim

JORGE BORNHAUSEN

Denúncia não se responde, contesta-se. Ou se aceita, calando-se. O presidente do PT, José Genoino, tentou o atalho da provocação. Não contestou, mas quis dar a impressão de que me desqualificava e recusava meu texto sobre as ações de sabotagem contra a democracia que caracterizam a atuação do governo Lula e do PT.
Seu artigo "Uma democracia sabotada", publicado ontem na Folha (pág. A3), sai pela tangente do ataque pessoal, desprezando o que não pode contestar e que eu havia, preventivamente, lembrado: em 1985 o PT negou apoio à Nova República, o grande projeto político de Tancredo, em que estávamos firmemente engajados e que permitiu a transição política e, "por via de conseqüência", 27 anos mais tarde, a eleição de Lula. Na época, porém, o PT fez o jogo da falsa vestal, insinuando que não se misturava aos outros lutadores pela democracia. Éramos impuros. Hoje, vê-se que era pura hipocrisia, da mesma forma que, no governo, embrenha-se nas trevas do pior populismo, da ilegalidade, da licenciosidade, da proteção à corrupção.
Ou já se viu, na história do Brasil, episódio mais acintoso de "lixo debaixo do tapete" do que o arquivamento do caso Waldomiro Diniz, o impune subchefe da Casa Civil associado a bicheiros que atuava na Caixa Econômica, como comprovou a Polícia Federal?


O presidente do PT evitou me desmentir, preferiu não enfrentar a questão, pois ficaria encurralado


Jogar toda a capacidade de aliciamento do governo sobre o Senado para impedir o funcionamento da CPI, como foi feito, não apenas estarreceu o país, mas também alimentou a presunção da sociedade de que o tal Waldomiro Diniz não era um reles chantagista, como mostrou a cena filmada do "Jornal Nacional" em fevereiro. Ele é, para o governo Lula, um condestável diante de cujas façanhas o PT treme de medo. Waldomiro Diniz, na crença geral, é o fio que poderia levar a CPI do Senado a pessoas e fatos altamente comprometedores.
O presidente do PT evitou me desmentir, preferiu não enfrentar a questão, pois ficaria encurralado entre aceitar a investigação parlamentar de que o governo e o PT fogem como o diabo da cruz ou admitir que estamos diante de explícita sabotagem à democracia.
Na verdade, não se desqualifica a acusação nem se desfaz nenhum dos fatos que apontei com precisão, como a temeridade com que o governo Lula e seu partido traem descaradamente seus compromissos de campanha. Abandonaram não apenas os companheiros, trocando-os pelos seus mais escrachados antípodas ideológicos. Também renegaram princípios éticos, com que envolveram até religiosos ingênuos, hoje perplexos, sem entender o estoicismo desses antigos companheiros que agora só querem saber de ostentação e luxo, associados com quem antes acoimavam de "demônios burgueses"... Nenhum partido acumulou caixinha mais rica.
A democracia é um regime construído sobre princípios -o mais notável dos contratos com que já se comprometeram as sociedades-, e nada é mais nefasto à sua estabilidade do que a desconfiança do povo. Daí a acusação que fazemos ao PT, de sabotagem contra a democracia, por haver prometido as reformas e as haver negligenciado.
A reforma política, para valorizar os partidos e punir os vira-casacas (que antes o PT detestava e agora cultiva, pagando em moeda corrente, como se viu na denúncia da revista "Veja" que explica o processo infeccioso de crescimento do PTB), já pronta, foi mantida paralisada. A reforma da Previdência resumiu-se a punir os aposentados; a reforma tributária, que prometeu a racionalidade dos impostos, limitou-se a aumentá-los astronomicamente; a reforma da assistência social reduziu-se a uma maquilagem medíocre dos programas já existentes, ao que se adicionaram ralos que facilitam a corrupção, como se viu na transformação do Bolsa-Escola em Bolsa-Família, uma impostura sem limites.
A reforma agrária limitou-se a entregar um ministério, de porteira fechada, ao MST e a repassar fundos para o sistema de agitação do grupo radical do sr. Stedile, para quem a democracia, com suas regras, é um luxo detestável que deve ser varrido com invasões violentas e lavado com sangue.
Por enquanto ainda há a prorrogação das mentiras através da propaganda enganosa, que celebra uma virada da economia e anuncia um crescimento de 3,5%, sem dizer que o Brasil está crescendo menos que a África -a pobre África, que cresce 5,4%. Menos, principalmente, do que nossos competidores mais próximos, os países emergentes da Ásia, com crescimento de 6,9%. Estamos abaixo da própria média mundial, de 5%. Ou seja, estamos indo na onda de um fenômeno de crescimento mundial e, assim mesmo, a reboque.
Nada mais grave, porém, do que o desrespeito à Lei Eleitoral cometido pelo próprio presidente da República na campanha paulistana. Ato da mais pura sabotagem contra a democracia.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de governo da Presidência da República (governo Collor).


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