São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É hora de declarar amor ao Brasil

MARCO AURÉLIO MELLO


Não há alternativa mais satisfatória que comemorar o resultado como a expressão fidedigna da soberana vontade popular


A CAMPANHA institucional de mobilização promovida neste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral, exortando o eleitor a votar de maneira consciente, foi marcada pela tônica da brasilidade, pela aproximação com o cotidiano e com os valores mais caros do povo.
Buscou-se a identificação com o jeito de ser dos brasileiros -simples, alegre, otimista- para alcançar, além da informação sobre o processo eleitoral, o revigoramento da cidadania, imprescindível quando se trata de fortalecer o nosso jovem Estado democrático.
Para tanto, a ênfase recaiu na necessidade de conscientizar o eleitor sobre a importância do voto. É que, infelizmente, para a maioria dos brasileiros, o poder político e decisório se afigura algo muito distante. O cidadão comum, mal conhecendo seus direitos básicos, minimiza a influência que pode exercer no sufrágio. Daí haver-se insistido tanto no papel de "patrão" desempenhado pelo eleitor no contexto das eleições, objetivando entusiasmá-lo de modo a afastar qualquer apatia ou descrédito porventura surgidos ante os acontecimentos que conturbaram a esfera política.
Se é certo que a sociedade merece resposta rápida e satisfatória -os mais inflamados reclamaram por exclusão radical de maus candidatos-, é o próprio atendimento ao Estado de Direito que impede atitudes açodadas e contrárias às garantias constitucionais vigentes.
Em outras palavras, na balança da democracia, o princípio da moralidade não pode se sobrepor ao princípio do devido processo legal -espinha medular dos países livre e politicamente desenvolvidos-, de que são consectários o contraditório e a ampla defesa.
Seria justiçamento, e não justiça, considerar culpado quem não se defendeu ou, se o fez, ainda conta com o direito de recorrer. A sensatez, melhor conselheira, aponta para a necessidade de atender aos ritos da segurança jurídica, já que a história é pródiga em erros de avaliação.
Em recente julgamento, o ministro Gerardo Grossi lembrou que Juscelino Kubitschek, ao candidatar-se ao governo federal, em 1959, respondia a nada menos que 12 inquéritos. Se lhe houvessem cassado o registro, que presidente não teria perdido o Brasil!
Diante das amarras processuais a que está adstrito o Judiciário -e assim deve ser-, já se vê a grande responsabilidade do eleitor, até porque, os partidos políticos, por corporativismo ou conveniência eleitoral, não usam da faculdade que lhes compete -qual seja, de, impedindo o registro dos piores quadros, barrar as pretensões daqueles cujas intenções longe estão de homenagear a causa pública, mostrando-se voltados à defesa pura e simples dos próprios interesses. Daí caber ao cidadão o exame rigoroso acerca do perfil dos candidatos.
Se o voto é poder supremo nos regimes democráticos, o eleitor é dele permanentemente titular e, assim, não deve se eximir à convocação nacional. Quem anula o voto ou se omite priva-se do direito de reclamar, recolhendo-se à cômoda posição de alheio observador. Se refletir, concluirá que, em última instância, resolveu deixar outrem fazer escolha que a si compete, esquecendo talvez que o que está em jogo é o próprio cotidiano, nas mais comezinhas nuances.
No Brasil, contamos ainda com mais uma razão para um amplo engajamento de todos os cidadãos: dispomos de um sistema eleitoral admirado, quer pela rapidez, quer pela confiabilidade no processo de votação e na apuração de resultados.
Em uso desde 1996, a urna eletrônica vem sendo continuamente aperfeiçoada e ainda não foi objeto de impugnação com um mínimo de razoabilidade. É conquista cujos frutos repercutem também em inegáveis ganhos no plano psicológico, uma vez que, imune a fraudes e outras astúcias, acrescenta ânimo novo à cota de cidadania de cada brasileiro: ao invés das longas filas, das adulterações e espertezas que felizmente já passaram ao folclore eleitoral, se tem a certeza da lisura do certame, da transparência e da celeridade na hora de proclamar os nomes vencedores. O que é isso senão a prova de maioridade e maturidade da democracia brasileira?
Votemos, então, com amor e confiança em dias melhores. Quando se trata de democracia, a beleza está na disputa com honradez e equilíbrio.
Não há alternativa mais satisfatória que comemorar o resultado como a expressão fidedigna da soberana vontade popular, no fim prevalecente.

MARCO AURÉLIO MELLO é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).


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