São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O INSS deve cobrar de motoristas a pensão das vítimas de acidentes?

NÃO

O governo seguirá pagando a conta

LUIZ CÉLIO BOTTURA

Ser segurado do INSS ou de qualquer órgão de previdência pública é um ato compulsório, acerca do qual não cabe qualquer dúvida ou contestação: todo trabalhador formal, seja ele empregado ou autônomo, tem que se submeter à contribuição forçada.
Todo mês, quando recebe seu salário, o trabalhador vê descontado na fonte o dízimo sobre todos os seus ganhos. O empregador paga outra parte, também salgada. Benefícios são poucos, ruins e defasados -pior ainda, morosos. Quando afastado por doença ou acidente, o trabalhador deve se submeter a filas, favores e eventuais "pedágios" para receber.
Na hora de se aposentar, vêm descontos de todos os tipos. O contribuinte tem que se haver com invenções moldadas supostamente para salvar o país da falência. Os reajustes seguem por caminhos duvidosos, que dependem de políticos e de funcionários de governo.
Esses, de seu lado, recebem integralmente e com reajustes de dar inveja -correções que, por alguma razão, ninguém diz desequilibrarem as finanças do país. Todos têm aposentadoria plena e ganham como se estivessem na ativa. Aos aposentados do INSS resta o rótulo de estourarem a Previdência e as finanças públicas.
Num balão de ensaio muito característico dos políticos sem planos ou visão, lança-se agora uma novidade: "Quando o acidente for de trânsito, o culpado terá de pagar a conta".
No Brasil, há por dia mais de 200 mortes no trânsito. Mil pessoas ficam inválidas. Os números variam de acordo com a fonte (uma inconsistência que, aliás, dificulta qualquer planejamento de ações no setor), mas o que se sabe é que boa parte da responsabilidade por essas estatísticas é do governo e de suas operadoras legais.
Por que atribuir ao poder público essa pecha? Pois é a ele que cabe habilitar os condutores, tarefa que cumpre de forma inadequada, revelando-se incapaz de controlar a qualidade da frota e dos viários. A fiscalização da embriaguez dos motoristas, por meio do teste do bafômetro, é outro campo vulnerável no leque de atribuições governamentais nessa matéria.
Se o projeto do INSS de fato vingar, é o governo que continuará pagando a conta da imprudência e da negligência alheias no trânsito -não sem antes congestionar o Judiciário com ações inócuas e mal geridas que só servirão para render lucros aos operadores da lei, os advogados. Poder-se-ia imaginar que são esses (representados por seu setor de marketing, a OAB) que estão à frente desse perigoso projeto?
Por conta da minha vivência profissional e da luta de quase meio século na seara da prevenção a acidentes de trânsito, sei da possibilidade de colocar em marcha soluções de baixo custo. Um exemplo é o programa Melhor Caminho, que dirigi quando estive na presidência da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A, responsável pelo Rodoanel, entre outros), no intervalo entre 1984 e 1987.
O projeto que se anuncia agora atesta a inutilidade da gestão atual do INSS. Temos coisas muito mais importantes para resolver, tanto na previdência quanto no que tange à prevenção de acidentes de trânsito. Chega de permitir a morte de pessoas inocentes de todas as idades.
Estamos em plena década mundial de redução de acidentes de trânsito, iniciativa da ONU que conta com o apoio da Prefeitura de São Paulo.

LUIZ CÉLIO BOTTURA, engenheiro, é ombudsman de prevenção de acidente de trânsito na cidade de São Paulo, ex-presidente da Dersa e ex-membro do Conselho de Administração da CET-SP (Companhia de Engenharia de Tráfego)

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