|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A economia brasileira está vulnerável a ataques especulativos?
SIM
O Brasil no olho do furacão
CELSO L. MARTONE
O Brasil é hoje, por qualquer critério
que se adote, um dos países emergentes
mais vulneráveis a uma crise cambial.
O déficit em conta corrente brasileiro
corresponde a 30% do déficit de todos
os países em desenvolvimento e a 80%
do déficit dos países da América Latina.
Os compromissos externos de curto
prazo (dívidas até um ano mais amortizações e juros) atingem 120% do estoque de reservas. Os ativos financeiros
internos representam seis vezes o estoque de reservas, o que é um indicador
importante numa economia financeiramente aberta. E assim por diante.
O que o mundo está vivendo neste
momento é o traumatismo de um violento ajuste para baixo dos preços dos
ativos reais (ações e imóveis), que se
originou na Ásia e, num mercado globalizado, rapidamente se espalhou por
todo o mundo. O ajuste de preços de
ativos sempre envolve o fenômeno conhecido como "ultrapassagem": os
preços caem muito abaixo de seu novo
equilíbrio de longo prazo para, lentamente, convergir para ele.
As economias que não têm nenhum
desequilíbrio fundamental (um déficit
elevado em conta corrente, por exemplo) podem enfrentar esse processo
sem quebras importantes. Felizmente,
esse é o caso das economias centrais
(EUA, União Européia e Japão); por
consequência, a chance de o mundo ter
algo semelhante à crise dos anos 30 é
muito pequena.
A crise atinge com maior gravidade
os países emergentes, economias mais
frágeis e mais dependentes dos fluxos
internacionais de capitais, e tanto mais
gravemente quanto maiores os desequilíbrios internos dessas economias.
Infelizmente, esse é o caso do Brasil.
O mercado mundial está reavaliando
para cima os riscos dos títulos dos países emergentes, o que implica uma redução da participação deles nas carteiras dos investidores institucionais.
Como o volume desses papéis é mais
ou menos fixo a curto prazo, todo o peso da pressão vendedora recai sobre os
preços, que desabam. Os títulos brasileiros vêm liderando as quedas de preços, o que é uma indicação de que o
mercado está atribuindo um risco elevado ao país.
A primeira linha de defesa contra
uma crise cambial é a elevação brutal
da taxa de juros interna, o que já foi
feito pelo Banco Central no final da semana. É muito provável que o aumento
do juro inverta ou pelo menos cesse a
perda de reservas com muita rapidez
(em dois ou três dias). Nesse caso, a taxa de juros pode voltar não ao nível anterior, mas a níveis sustentáveis.
Se, por azar, isso não acontecer, não
dá para manter os juros nesse patamar
por muito mais tempo, sob pena de
quebrar o sistema financeiro. A última
linha de defesa, então, seria uma desvalorização cambial, que viria como ato
unilateral do governo ou pela liberação
da taxa para flutuar no mercado.
Uma implicação importante dessa
crise, mesmo sendo ela debelada nas
próximas semanas (o que é muito provável), é que o grau de vulnerabilidade
do Brasil, já elevado, aumentou ainda
mais, tornando mais problemática a
manutenção da política econômica
atual em 98. Ou seja, o próximo ataque
especulativo encontrará o país mais
frágil e mais indefeso do que agora.
Celso L. Martone, 52, economista, é professor titular da
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|