São Paulo, sábado, 1 de novembro de 1997.



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A economia brasileira está vulnerável a ataques especulativos?

NÃO
Ataque de nervos

GUILHERME DA NÓBREGA

Ataque especulativo é uma expressão usada para designar três coisas diferentes. Felizmente, é possível descartar a hipótese em qualquer das três acepções. Vejamos.
Alguns a usam pelo que realmente é: uma conspiração para encurralar o Banco Central. Nesse caso, as pessoas fazem compras pesadas de dólar no mercado futuro (ficam "compradas"), forçando-o a vender quantidades crescentes de moeda estrangeira até que, exaurido, o governo concede em desvalorizar a moeda.
É simples descartar esse tipo de situação, já que ninguém conseguiria comprar tantos dólares assim com reais. Se o mundo inteiro quer comprar dólares no mercado futuro usando ienes, tudo bem. Mas com reais?
No mês passado, o estoque de reais na praça (depósitos à vista e dinheiro no bolso das pessoas, que os economistas chamam de M1) equivalia a uns US$ 35 bilhões, contra reservas do Banco Central em torno de US$ 61 bilhões. É pouco. Se o sujeito toma dinheiro emprestado para comprar dólares, pode ir um pouco além, mas aqui atua a política monetária -aumento dos juros em reais e, portanto, do custo do ataque, como aconteceu anteontem.
Finalmente, o mercado de câmbio é monitorado de perto pelas autoridades. Por exemplo, existem limites quantitativos para posições compradas. A idéia de encurralar o Banco Central é sempre boa, mas não daria certo.
Outros usam o termo "ataque especulativo" para referir-se a um comportamento ditado por dúvidas em relação à política cambial. Será que vão desvalorizar o real? Como farei, nesse caso, para comprar aqueles dólares de que precisarei, em alguns meses, para fazer pagamentos no exterior? Não conviria ir comprando uns dolarezinhos?
Ora, se você acha que vão desvalorizar, é claro que sim! Se você precisa de telefones, acha que o preço vai subir e tem algum dinheiro em caixa, não compraria umas linhas? É uma decisão individual, baseada em... especulações!
Se o sujeito tem pagamentos em dólar a fazer e prefere ficar com reais para ganhar nos juros, aí, sim, está especulando. Se decide comprar dólares, está optando pela segurança. Ou, como se diz, fazendo "hedge".
Essa é uma atitude defensiva, que surge quando se turba o panorama econômico ou político. Desaparece quando o ambiente melhora. Vira um problema somente quando até as pessoas que não têm obrigações futuras em dólar resolvem entrar no jogo.
Evitá-lo depende de o governo mostrar que a política cambial é a essência de sua estratégia econômica, uma prioridade definida politicamente e sustentada mesmo à custa de ajustes de curto prazo em outras variáveis. Alguém de sã consciência duvidaria, mormente após o choque de juros desta semana?
Por fim, há quem use "ataque especulativo" para se referir ao fim do Plano Real, à derrocada do modelo neoliberal, ao fim da irresponsável aventura da globalização ou coisa do gênero. Chamo isso de ataque de nervos.
É pensar que levamos uma chibatada do mercado internacional para nos lembrarmos de que o melhor mesmo é economia fechada, inflação de 50% ao mês, fábrica de carroças e sono tranquilo, sem medo do mundo. Você está rindo, mas tem mesmo gente boa que pensa assim. Fazer o quê?

Guilherme da Nóbrega, 30, economista pela London School of Economics, é sócio da Trend Consultoria Econômica.



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