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A economia brasileira está vulnerável a ataques especulativos?
NÃO
Ataque de nervos
GUILHERME DA NÓBREGA
Ataque especulativo é uma expressão
usada para designar três coisas diferentes. Felizmente, é possível descartar a
hipótese em qualquer das três acepções. Vejamos.
Alguns a usam pelo que realmente é:
uma conspiração para encurralar o
Banco Central. Nesse caso, as pessoas
fazem compras pesadas de dólar no
mercado futuro (ficam "compradas"),
forçando-o a vender quantidades crescentes de moeda estrangeira até que,
exaurido, o governo concede em desvalorizar a moeda.
É simples descartar esse tipo de situação, já que ninguém conseguiria comprar tantos dólares assim com reais. Se
o mundo inteiro quer comprar dólares
no mercado futuro usando ienes, tudo
bem. Mas com reais?
No mês passado, o estoque de reais
na praça (depósitos à vista e dinheiro
no bolso das pessoas, que os economistas chamam de M1) equivalia a uns US$
35 bilhões, contra reservas do Banco
Central em torno de US$ 61 bilhões. É
pouco. Se o sujeito toma dinheiro emprestado para comprar dólares, pode ir
um pouco além, mas aqui atua a política monetária -aumento dos juros em
reais e, portanto, do custo do ataque,
como aconteceu anteontem.
Finalmente, o mercado de câmbio é
monitorado de perto pelas autoridades.
Por exemplo, existem limites quantitativos para posições compradas. A idéia
de encurralar o Banco Central é sempre
boa, mas não daria certo.
Outros usam o termo "ataque especulativo" para referir-se a um comportamento ditado por dúvidas em relação
à política cambial. Será que vão desvalorizar o real? Como farei, nesse caso,
para comprar aqueles dólares de que
precisarei, em alguns meses, para fazer
pagamentos no exterior? Não conviria
ir comprando uns dolarezinhos?
Ora, se você acha que vão desvalorizar, é claro que sim! Se você precisa de
telefones, acha que o preço vai subir e
tem algum dinheiro em caixa, não
compraria umas linhas? É uma decisão
individual, baseada em... especulações!
Se o sujeito tem pagamentos em dólar
a fazer e prefere ficar com reais para
ganhar nos juros, aí, sim, está especulando. Se decide comprar dólares, está
optando pela segurança. Ou, como se
diz, fazendo "hedge".
Essa é uma atitude defensiva, que
surge quando se turba o panorama
econômico ou político. Desaparece
quando o ambiente melhora. Vira um
problema somente quando até as pessoas que não têm obrigações futuras
em dólar resolvem entrar no jogo.
Evitá-lo depende de o governo mostrar que a política cambial é a essência
de sua estratégia econômica, uma prioridade definida politicamente e sustentada mesmo à custa de ajustes de curto
prazo em outras variáveis. Alguém de
sã consciência duvidaria, mormente
após o choque de juros desta semana?
Por fim, há quem use "ataque especulativo" para se referir ao fim do Plano Real, à derrocada do modelo neoliberal, ao fim da irresponsável aventura
da globalização ou coisa do gênero.
Chamo isso de ataque de nervos.
É pensar que levamos uma chibatada
do mercado internacional para nos
lembrarmos de que o melhor mesmo é
economia fechada, inflação de 50% ao
mês, fábrica de carroças e sono tranquilo, sem medo do mundo. Você está
rindo, mas tem mesmo gente boa que
pensa assim. Fazer o quê?
Guilherme da Nóbrega, 30, economista pela London
School of Economics, é sócio da Trend Consultoria Econômica.
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