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JOSÉ SARNEY
Que país é este?
Harry Hopkins é um personagem de grande importância na
história americana. Ele foi o braço direito de Roosevelt na implementação
das medidas do New Deal, o extraordinário programa social criado para
combater o desemprego e a fome, depois da famosa recessão dos anos 30.
Hopkins também foi o mais próximo
e mais forte colaborador de Roosevelt
na condução da Segunda Guerra
Mundial. Morava com o presidente na
Casa Branca e em Hyde Park, a residência particular. Tornou-se íntimo
amigo de Churchill e interlocutor privilegiado de Stálin.
Hopkins era um homem de origem
modesta. Quando foi designado por
Roosevelt para ir a Moscou, logo depois da invasão alemã, e acertar a ajuda americana à então União Soviética,
ele contava que, ao subir a grande escada de cem degraus do Kremlin, estava possuído de grande emoção. Pesava o seu lado pessoal e ele dizia para si
mesmo: "Eu, filho de um seleiro do Iowa, investido de uma missão tão importante e tão decisiva para a liberdade no mundo?". De repente, afastou
essa tentação da modéstia pessoal e se
respondeu: "Não sou eu, o responsável por isso é meu país, minha pátria.
Não há nada de mais em mim, há tudo
de grandioso nos Estados Unidos".
Depois, não pensou mais no seu pai
seleiro, nem em si próprio, seu filho.
Pensou na sua pátria, na sua missão.
Lembrei-me desse episódio, que li
há muitos anos, para associá-lo à vitória de Lula. Sempre vi no presidente
eleito a história de sua vida, sua saga
nordestina, sua identidade operária,
da pobreza à glória política. Quando o
apoiei, o jornalismo investigativo procurou uma referência pessoal minha
contra o candidato do PT e não encontrou. É que, como intelectual e político, sempre considerei sua biografia
um patrimônio do país. Não há nada
de lisonja gratuita nessa afirmação.
Ela é impessoal, porque vejo no Lula a
extraordinária mobilidade social do
Brasil. Qual o país do mundo ocidental que pode ostentar uma sociedade
capaz de produzir o fenômeno Lula?
Que tem igualdade de oportunidades
capaz de assegurar essa ascensão, de
não barrá-la pela força ou pelo preconceito? Não sei onde mais um processo dessa profundidade seria assimilado e digerido num clima de convivência e de festa como vivemos.
Todo o povo brasileiro, de todas as
classes e tendências, a favor ou contra
Lula, descobriu um orgulho reprimido em sua vitória. Todos se sentem
participantes dela. É o sentimento de
uma grande conquista nacional. Uma
consciência diferente e generosa. Essa
é a alegria que estamos testemunhando. O fundamental é a esperança de
que essa alegria não murche.
O Brasil muito fez por todos nós, e
exemplarmente por Lula. É hora de
darmos uma trégua ao vício nacional
do pessimismo e da famosa sensação
de estar "à beira do abismo". De, como disse o presidente eleito, recuperarmos a auto-estima, que, no passado, se chamava "orgulho patriótico".
Como na história de Harry Hopkins,
abandonemos o seleiro ou o retirante.
Pensemos no que é a fabulosa história
deste país, construída no milagre da
convivência e na cultura da alegria,
que fez essa mudança profunda
-ninguém se engane sobre a importância- sem nenhuma violência nem
apelo a soluções extremas. Até o câmbio baixou!
Como perguntava Francelino Pereira, nos anos 70, "que país é este?". Respondemos:
- O Brasil.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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