São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

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CLAUDIA ANTUNES

A novidade

RIO DE JANEIRO - Aqui e ali vão surgindo sinais de desconforto com o assédio a Lula e com a relação calorosa do presidente eleito com a população -fato tão inédito na história brasileira pós-redemocratização que é como se, de fato, a campanha eleitoral não tivesse terminado.
Alguns recomendam diretamente ao petista que desça das nuvens e caia na realidade. Outros, em uma advertência mal dissimulada, destacam as cobranças. Os eleitores, dizem, agora pedem o milagre: a casa, o emprego. Se em Brasília houve recepção nas ruas ao presidente eleito, é porque, conclui-se, os funcionários públicos esperam aumento imediato.
Uma parte do estranhamento deve-se, claro, ao contraste. Fernando Henrique pertence a uma parcela da intelectualidade que se vacinou tão fortemente contra o populismo que passou a tomar como tal qualquer contato mais afetuoso com a população, a não ser no obrigatório corpo-a-corpo eleitoral. Mesmo nesses casos, o presidente parecia inconvincente, um peixe fora da água.
Outro motivo do desconforto é o medo, reforçado pelo preconceito. Não só porque há quem tema o papel que a entidade "povo" possa vir a desempenhar no governo Lula, caso ele cultive sua relação direta com as massas, como porque não se sabe quais são realmente as expectativas do seu eleitorado.
A campanha de rua mereceu pouca atenção da imprensa, com a prioridade que foi dada ao horário oficial na TV, aos bastidores, às pressões do mercado. No máximo, foram ouvidos líderes de movimentos sociais. No entanto a mesma comoção que agora causa espanto foi a marca das viagens de Lula, segundo relata o cineasta João Moreira Salles.
Salles, que faz um filme sobre a eleição do petista, conta ter visto multidões eletrizadas. Será que as pessoas estavam lá por causa do Zezé di Camargo? O que elas esperam? Quanto de racionalidade e de emoção teve seu voto? Há um pacto de identificação e de confiança entre elas e o presidente eleito, ou é uma onda que vai se desfazer em três meses? Ainda é preciso entender a novidade.


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