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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Procura-se Lula

SÃO PAULO - Na segunda-feira, o presidente falava contra o capital financeiro e alertava a todos sobre as ameaças a nossa soberania. Estava no congresso da Internacional Socialista. Na quarta, ao lado de José María Aznar, Lula disse ter descoberto, depois de dois encontros com o primeiro-ministro espanhol, que "nem ele é tão conservador nem eu sou tão esquerdista". Um dia depois, falando a miseráveis na Paraíba, o presidente chamou seus antecessores de "covardes" e tomou a vereda do messianismo machão, sua especialidade: "Não haverá chuva, não haverá cara feia e não haverá nada que impeça a gente de fazer pelo Brasil e pelo povo brasileiro o que eles merecem".
Os exemplos poderiam se multiplicar. Mas esses bastam. No intervalo de três dias, Lula representou o líder esquerdista, o administrador responsável e o político populista. Inútil procurar qual deles seria mais verdadeiro. Todos e nenhum, provavelmente. O homem bom não tem forma, diz o título de um poema famoso de Wallace Stevens. Para nós, brasileiros, talvez seja melhor pensar em Macunaíma -o herói sem caráter que se molda às circunstâncias.
Se a política contemporânea é, como sabemos, a arena da retórica e da dissimulação, o caso de Lula é pedagógico. Suas platitudes e incoerências verbais refletem e de alguma maneira revelam o fundo oco do governo -cujo projeto, rumo ou identidade estamos todos a procurar.
Note-se que a radicalização verbal da cúpula do petismo contra a "herança maldita" de FHC se dá pari passu com o aprofundamento dessa mesma herança. Fatos? Neste ano, por exemplo, o setor público deverá gastar algo em torno de R$ 154 bilhões só com o pagamento de juros, aqueles que Lula maldizia até dezembro de 2002. Será um recorde de dinheiro transferido à banca desde o lançamento do Plano Real.
O governo briga, pois, não com o passado, mas com seus próprios fantasmas. Recém-nascido, o lulismo já é um caso de divã. Alguém explica?


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