|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Procura-se Lula
SÃO PAULO - Na segunda-feira, o
presidente falava contra o capital financeiro e alertava a todos sobre as
ameaças a nossa soberania. Estava
no congresso da Internacional Socialista. Na quarta, ao lado de José María Aznar, Lula disse ter descoberto,
depois de dois encontros com o primeiro-ministro espanhol, que "nem
ele é tão conservador nem eu sou tão
esquerdista". Um dia depois, falando
a miseráveis na Paraíba, o presidente chamou seus antecessores de "covardes" e tomou a vereda do messianismo machão, sua especialidade:
"Não haverá chuva, não haverá cara
feia e não haverá nada que impeça a
gente de fazer pelo Brasil e pelo povo
brasileiro o que eles merecem".
Os exemplos poderiam se multiplicar. Mas esses bastam. No intervalo
de três dias, Lula representou o líder
esquerdista, o administrador responsável e o político populista. Inútil
procurar qual deles seria mais verdadeiro. Todos e nenhum, provavelmente. O homem bom não tem forma, diz o título de um poema famoso
de Wallace Stevens. Para nós, brasileiros, talvez seja melhor pensar em
Macunaíma -o herói sem caráter
que se molda às circunstâncias.
Se a política contemporânea é, como sabemos, a arena da retórica e da
dissimulação, o caso de Lula é pedagógico. Suas platitudes e incoerências verbais refletem e de alguma
maneira revelam o fundo oco do governo -cujo projeto, rumo ou identidade estamos todos a procurar.
Note-se que a radicalização verbal
da cúpula do petismo contra a "herança maldita" de FHC se dá pari
passu com o aprofundamento dessa
mesma herança. Fatos? Neste ano,
por exemplo, o setor público deverá
gastar algo em torno de R$ 154 bilhões só com o pagamento de juros,
aqueles que Lula maldizia até dezembro de 2002. Será um recorde de
dinheiro transferido à banca desde o
lançamento do Plano Real.
O governo briga, pois, não com o
passado, mas com seus próprios fantasmas. Recém-nascido, o lulismo já
é um caso de divã. Alguém explica?
Texto Anterior: Editoriais: AÇÃO ENTRE AMIGOS
Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: O atraso da Justiça Índice
|