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RUY CASTRO
A língua frouxa
RIO DE JANEIRO - O poeta Ezra
Pound dizia que era preciso manter
a língua eficiente. Palavras corrompidas, usadas fora de contexto, e a
substituição arbitrária e compulsória de umas por outras tornam a língua pobre, imprecisa, ineficiente.
Com isso, produzem pensamentos
frouxos, e a vida vai para o beleléu.
Ao agradecer, por exemplo, quase
ninguém mais diz "Obrigado". O gato comeu o primeiro "o". Milhões
agora gorgolejam um excruciante
"Brigado". Não que isso seja novidade -apenas tornou-se uma regra
não escrita. Naturalmente, o mesmo empobrecimento que produz o
"brigado" impede que, se for uma
mulher, ela diga "Obrigada".
Da mesma forma, quando alguém
hoje nos lisonjeia com um "Obrigado" (ou seu correspondente "Obrigada"), abandonamos a resposta
clássica, sóbria e elegante, "De nada" ou "Por nada". Em vez disso, cacarejamos "Imagina!" -como se ficássemos sinceramente ofendidos
por alguém estar nos agradecendo.
Há casos em que, não contente, a
pessoa ejacula: "Magina!". Proponho o seguinte: se alguém nos diz
"Brigado!", fica liberado o uso de
"Magina!" -uma elocução merece
a outra.
E o que dizer do "Com certeza!"?
Há anos, mandou para o limbo uma
variedade de opções, como "Claro!", "Sem dúvida!", "Evidente!" ou
"Certo!", além do melhor e tão mais
simples "Sim!". Jogadores de futebol, nas torturantes entrevistas que
concedem ao fim da partida, são os
grandes abonadores do "Com certeza!". Quase sempre, sem saber o
que significa.
O locutor pergunta: "Fulaninho,
vocês perderam por 10 a 0. Como
será o próximo jogo?". O craque
responde: "Com certeza. Agora é levantar a cabeça e trabalhar duro para vencer o próximo jogo e conquistar nossos objetivos". O locutor só
pode agradecer: "Brigado!".
E o craque, retrucar: "Magina!".
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