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BORIS FAUSTO
Os três macaquinhos
Meus amigos Flávio Manhães e
Lucila têm um sítio no caminho
do sertão de Ibiúna. Para evitar estranhezas, lembro que, embora a cidade
de Ibiúna se situe a uns 70 km de São
Paulo, seu município, à margem da
expansão cafeeira e, depois, da industrialização, contém, sim, um sertão. É
todo um mundo de acesso difícil, com
seus caipiras, suas falas próprias e suas
devoções.
Para ficar em um exemplo, em algum ponto existe uma pequena capela, que guarda a imagem de são Sebastião. Todos os anos, os fiéis levam o
santo à cidade, no dia de seu aniversário, percorrendo muitos quilômetros
na ida e na volta. Quem é de fora, como o Manhães, e ainda assim é escolhido para carregá-lo durante parte do
trajeto, sabe estar recebendo uma deferência inestimável, creia ou não no
santo, seja católico, presbiteriano, judeu, budista, agnóstico ou ateu. Excluo os evangélicos, em pleno combate pela salvação das almas, e os islâmicos, por não existirem e, se existissem,
para evitar encrencas.
Voltemos porém ao sítio, aonde se
chega por uma picada que mal se vislumbra no capim ralo, saindo de uma
sinuosa estradinha de asfalto. Como
indicar aos convidados do fim de semana a picada quase invisível? Manhães, pessoa refinada, jamais imaginaria uma dessas placas banais indicando o "rancho do sossego", o "repouso do guerreiro" ou a "casa do vovô". Pintou, sobre uma tábua de madeira, um desenho inspirado numa
pintura pré-colombiana -em que
três macaquinhos negros se destacam
de um fundo amarelo- como inconfundível marco indicativo.
A placa não durou muito tempo.
Apareceu destruída, coisa que Manhães e Lucila atribuíram a um ato
corriqueiro de vandalismo. Idêntica
placa, pintada com capricho, foi colocada no mesmo lugar. Insistência inútil, pois ela também foi destruída, até
com fúria maior do que a precedente.
Na motivação dos "vândalos" deveria
existir algo mais.
Pergunta daqui, pergunta dali, o caseiro acabou se abrindo: "O senhor
me desculpe, mas também que idéia a
sua de pintar o 666 na entrada do sítio". "666, que história é essa?", estranhou o Manhães, sem entender nada.
"Ora, doutor, o 666, o nome escondido de Satanás, a besta do Apocalipse,
ou o senhor nunca leu a Bíblia?" Aí o
Manhães entendeu, e como, pois
anunciara aos quatro ventos suas negociações com o demônio. De fato, os
longos rabos negros dos macaquinhos
compunham um gritante 666 sobre
um fundo amarelo, e a figura dos animais desaparecia de cena.
A história pode suscitar questões
acadêmicas ligadas à "gestalt" -a psicologia das formas-, recuperando
um tema meio esquecido. Ou, ainda,
permite explorar os caminhos em que
o erudito e o popular se cruzam ou se
desentendem. Mas o melhor mesmo é
ouvir a voz imaginária do caipira: o
doutor quase fez um pacto com o demônio, mas foi alertado e se arrependeu a tempo. A tempo de continuar levando nos ombros a imagem de são
Sebastião.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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