São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Obstáculos na luta contra a Aids VICENTE AMATO NETO e JACYR PASTERNAK
As dificuldades para combater a
epidemia de infecção pelo HIV e a
doença que daí decorre, a Aids, podem
ser englobadas nos três grupos a seguir
especificados.
2) Econômicas - A infecção pelo HIV expande-se em países muito pobres, onde o sistema de saúde é precário e o gasto a propósito por habitantes está em níveis de US$ 1 por mês ou menos do que isso. Com essa verba não é possível executar tratamento adequado e, como Bill Clinton já disse e publicou no "New York Times", "se não houver devida assistência terapêutica fica muito complicado fazer prevenção, porque ninguém quer ser testado se o resultado for apenas um "parabéns, o senhor está com Aids e vire-se'". Isso é o constatado em quase todas as regiões da África. Nações em desenvolvimento podem enfrentar bem a infecção pelo HIV -e o Brasil nesse ponto é exemplo. Dos indivíduos de áreas subdesenvolvidas que tomam a medicação anti-HIV fornecida pelo governo, gratuitamente, mais da metade está por aqui. Note-se que o Brasil é considerado país de renda média, muito longe dos níveis catastróficos de rendimentos vigentes em terras africanas. A infecção pelo HIV favorece a expansão de velhas pragas, como a tuberculose, que também não andavam bem controladas nesses lugares marcados por recursos escassos. A infecção igualmente afeta de maneira perversa pessoas em fase da vida na qual são mais produtivas e na idade reprodutiva, garantindo assim impacto econômico considerável. Na África, em certas populações uma geração inteira foi destruída e nelas permanecem quase só crianças e velhos. Ainda mais, a mortalidade infantil é muito grande. 3) Sociológicas - O estigma da Aids e o preconceito são muito comuns na África. No entanto perduram entre nós e em outras eventualidades, até mesmo fazendo com que possíveis contaminados não procurem assistência médica. Opiniões levianas, como a inacreditável imprudência do cardeal e dos que afirmam a incompetência da camisinha na proteção contra a infecção pelo HIV, ou informações falsas, como a que no Brasil, anos atrás, atribuiu risco de contágio através de mosquitos, podem ser extremamente prejudiciais. Defender a castidade, a abstinência sexual ou atividades congêneres em virtude de motivos religiosos é viável, sem necessidade de usar argumento cientificamente falso, pois o preservativo de boa qualidade constitui recurso valioso preventivamente. Não obstante fazer campanhas contra a Aids exclusivamente focadas no uso da camisinha é insuficiente, convindo destacar que esse método de barreira afigura-se precioso contra a disseminação da praga, sobretudo se não forem esquecidas outras premissas, ilustradas pela responsabilidade no relacionamento sexual. Também a repetição da idiotice de que o HIV não é a causa da Aids, que chegou a convencer pelo menos por algum tempo o presidente da África do Sul, representa mais um desastre. Em acréscimo, frisamos que rápida expansão da epidemia em países onde houve desagregação social e quebra do sistema de saúde é extremamente evidente. Como ficamos afinal? Não podemos negar o advento de grandes progressos na luta contra a Aids. Não podemos, na verdade, negar as dificuldades para enfrentar doença só prevenível mediante mudanças de comportamento, algo muito difícil de conseguir em saúde pública. É possível, entretanto, obter algum sucesso em caráter individual, e quiçá em algum grau coletivo, com educação. Acreditamos que o modelo brasileiro de tratamento deva ser adotado por mais países, incluindo os africanos. Desta vez não é brincadeira nem ufanismo, convindo estimular o resto do mundo a copiar o que efetivamos. Há promessas de países ricos para financiar algo desse tipo e existem empresas na África do Sul que, na deficiência de atitudes do governo, resolveram elas mesmas tratar seus funcionários ou dependentes, até para estimular menos "turnover" de pessoal e mais lucros. Todavia as promessas de dar essa verba por enquanto estão como intenções não realizadas -mas quem sabe um dia. Vicente Amato Neto, 76, médico infectologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. Jacyr Pasternak, 63, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Rodolfo Konder: Alguma nostalgia Índice |
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