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OTAVIO FRIAS FILHO
Agora é real
O discurso de posse de Lula como presidente efetivo não apresentou novidade em relação ao que vinha sendo dito desde a eleição. Mantém-se uma linha bifronte, que dá satisfações tanto à esquerda como à direita. Seu governo começa sob a marca dessa ambiguidade, indefinição para alguns, habilidade para outros, a
perdurar até que os fatos forcem numa das duas direções.
O presidente prometeu fazer uma
reforma agrária, antiga bandeira da
esquerda, mas assegurou a propriedade produtiva. Repetiu que criar empregos será uma "obsessão" e elogiou
a estrutura empresarial do país. Deu
ênfase à América Latina, mas propôs
cooperação madura com os Estados
Unidos. E repisou a luta contra a fome, prioridade que não divide opiniões nem desperta controvérsias.
Vamos admitir, o que parece plausível, que a maioria dos integrantes da
equipe de governo mantenha suas
convicções de esquerda. Vamos admitir que tenham feito amplas concessões em nome da necessidade de governar um país complexo e plural. E
que tenham em mente as experiências
traumáticas, das quais alguns deles
participaram, de governos de esquerda que não tinham lastro centrista.
Impossível prever que tipo de acidente poderá deslocar o governo para
a esquerda de onde ele provém. Mas
não existe dúvida de que a rotina do
poder reforça a inclinação "de direita", ou centrista. Como lembrou Espiridião Amin há pouco, citando frase
tão verdadeira quanto de autoria incerta, o poder se parece com o violino,
que se toma com a esquerda e se toca
com a direita.
Há várias razões para isso. Instalado
no governo, todo grupo passa a ter
uma preocupação de fato prioritária:
manter-se no lugar com a menor erosão possível do próprio poder. É um
fato sociológico, que não depende da
boa vontade dos personagens em
questão. Providências táticas, destinadas a assegurar esse objetivo permanente, cada vez mais se impõem a rumos estratégicos.
Esse impulso, realista ou concessivo,
conforme se preferir qualificá-lo, deverá ser acentuado no caso atual. O cenário econômico condena as autoridades a praticar uma política semelhante à do governo que sai, e o grupo
que entra, nessa "troca de paulistas",
só chegou ao poder depois de resolver
governar com o centro, assim como
Fernando Henrique optara por governar com a direita.
Do restante se encarregará a atmosfera que cerca todo governo. De um
lado, áulicos sempre prontos a oferecer um espelho sorridente ao governante e a estimular sua mania de perseguição. De outro, lobbies profissionais voltados a envolver as autoridades, sobretudo as novatas, em projetos nos quais o interesse público e o
privado aparecem emaranhados. Entre ambos, as mil tentações do poder.
Com todo o simbolismo histórico da
posse, que redime parte da história
nacional, agora começam os problemas, as decisões que não poderão ser
contornadas por meio de golpes de retórica ou sentimentalismo publicitário. O drama será preservar o apoio do
centro sem perder o rumo das mudanças anunciadas, aprender a administrar o dia-a-dia sem se deixar engolir pela rotina e pela tática. Muitos tentaram, poucos terão conseguido.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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